13 de dezembro de 2025
OPINIÃO

A amizade e seu planeio


| Tempo de leitura: 3 min

Em uma cabine de um voo comercial, o ruído alto e constante dos motores só era ocasionalmente superado por um choro desesperado de um bebê que acordava, de súbito e desorientado. O ambiente era escuro, salpicado com luzes brancas de leitura, ligadas aqui e acolá. Talvez os nossos bancos fossem os mais iluminados, pois, enquanto eu escrevia essa coluna no meu tablet, minha esposa estudava seu livro.

Voltávamos de uma pequena viagem de férias, ocasião que para nós sempre foi além do descanso; é também uma chance de convivermos e fortalecermos nossa família pelo convívio intenso. Prova disso estava espremida no banco entre a janelinha da aeronave e minha esposa: nosso filho, grande e belo, já quase homem feito, que nos acompanha nessas viagens desde os cinco anos de idade.

Olhando para ele me perguntei qual seria uma cena que representasse o processo de crescimento que ele passou, desde pequeno até agora, quando mal cabe no espaço da classe econômica.

Vi-me de súbito longe e satisfeito, com a lembrança dele bem moleque, sorridente e feliz em um grau que quase nem lhe cabia no pequeno corpo, vestido de agasalho azul do colégio lá pelos seus seis anos, pendurado no pescoço de outros dois amigos, um em cada braço, em uma das muitas vezes que fui buscá-lo depois da aula.

Somente com a minha maturidade percebo a importância e beleza deste relacionamento que já foi descrito por Platão como o mais belo e perene de todos. Sinto-me pleno em poder acompanhar o crescimento do meu filho e dentre suas obras, as amizades que tão facilmente constrói talvez sejam as mais brilhantes.

Sim, ele tem muitos amigos e amigas, tantos que faz parecer fácil firmar essa relação, tanto quanto vencer seus jogos no computador de casa.

Aprendi com ele mesmo um pouco desse sucesso, que reparto agora com vocês: faça da leveza a sua bússola. A amizade não cresce e se movimenta como o jato onde estou, pela força e intensidade dos seus motores que vencem a custo a resistência do ar. A amizade voa suave porque é leve como folha seca na tarde de outono, que se eleva do mesmo chão que abriga uma roda animada de meninos e meninas, todos falando e rindo-se ao mesmo tempo, como se o tempo simplesmente não passasse. 
Amizade não exige mais do que a pureza onde cresce e não se sente bem com grandes adulações.

Aliás, presente demais, atenção demais, regra demais, gera turbulência no planeio bonito da Amizade. Está aí a lição que demorei a assimilar: com Amizade, menos parece muito mais.

Engana-se quem a acha frágil, dada sua leveza. Tenaz, verdadeira amizade é tão persistente que se faz mais presente que casamento “na alegria e na tristeza” e, com alguns, mesmo que a gente se engane e desequilibre tudo, amizade se agarra e não acaba, não titubeia, resiste tal qual cola e nos faz questionar o porquê a outra parte não nasceu da mesma mãe, para então chamamo-la de irmão ou irmã?

A amizade, contudo, não clama para si essas glórias. Ela não precisa. Sabe que a maior felicidade é a alegria que ela vê no outro, não em si mesma e aí talvez, esteja o conselho final do meu filho para uma receita infalível de amigo: se cerque de quem gosta de lhe ver crescer e que não acha ruim de lhe esperar neste processo o tempo que for.

O ruído constante e insistente do motor volta a ficar bem presente nos meus ouvidos, agora que a amizade me deixou do seu planeio suave de volta na minha poltrona, com a luz de leitura e do tablet iluminando o meu peito. Não só luz física me toca, no entanto; comoção de ver meu filho crescer trilhando a vida com amigos de forma tão valorosa como eu mesmo fiz e continuo a fazer hoje ainda.

Dr. Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)