Observando algumas crianças num dos parques da cidade de Jundiai, me deparei com uma cena pitoresca. Um menino de aproximadamente sete anos de idade tentando subir em uma árvore. De longe os pais sorriam. Tomada de um ímpeto de quem passou a infância visitando os avós no interior de São Paulo, com endereço cativo no alto de um enorme pé de mangueira localizado na frente da casa, fui até o pequeno e dei as primeiras instruções para subir numa árvore.
Impossível não refletir como as crianças, em nome da segurança, ficam presas dentro de apartamentos, plugadas na companhia do celular, tablet ou computador. Uma distração ou refúgio?
Os pais, sem tempo, estão divididos entre o desejo de proteger os filhos e a urgência de equilibrar trabalho e vida pessoal.
Num passado não muito remoto, as crianças corriam soltas pelas ruas, inventavam jogos com pedras, folhas, tampinhas de garrafa. Qualquer coisa poderia magicamente se transformar num divertimento.
A imaginação comandava a brincadeira. Subir nas árvores da pracinha perto de casa era muito mais que uma habilidade motora. Era uma montanha a ser escalada. Um refúgio secreto. Uma nova perspectiva sobre o mundo. Um exercício de coragem. Prova viva de pertencimento ao grupo.
Atualmente, crianças de 0 a 3 anos já passam, em média, 1h27 por dia diante das telas. Entre 4 e 6 anos, o número sobe para 1h44. Adolescentes de 13 a 16 anos chegam a 3h42/dia, mostram os dados do relatório Panorama Mobile Time, de 2024. Esses números contrastam com as recomendações de instituições como o UNICEF e a Sociedade Brasileira de Pediatria, que alertam para os impactos do excesso de tempo de tela, tais como: atrasos na linguagem, distúrbios do sono, sedentarismo, obesidade, baixa interação social, comprometimento da saúde mental, queda escolar e perda de mais de 1.100 palavras escutadas por dia, fator fundamental para o desenvolvimento cognitivo na primeira infância.
Hoje, as árvores foram substituídas pelo concreto e sinal de Wi-Fi. Brincar na praça virou exceção. Jogar bola na rua exige escolta de adultos. A infância ativa paulatinamente vem sendo substituída pela passividade cercada de conforto, mas também, isolamento, limitando as brincadeiras espontâneas que auxiliam no desenvolvimento cognitivo dos pequenos e do convívio com outras crianças que trazem experiências como limites e frustrações. Levando para o mundo adulto, as brincadeiras de criança são o embrião para o crescimento da autonomia emocional, inteligência relacional, criatividade, resolução de conflitos. Habilidades requeridas pelas chamadas soft skills, as mais exigidas pelo mercado.
Subir em árvores, além de um passatempo infantil, pode ser uma ferramenta valiosa para apoiar no desenvolvimento de habilidades cognitivas como memória, foco, solução de problemas; físicas - força, equilíbrio, coordenação; e competências socioemocionais, trazendo autoconfiança, gerenciamento de risco e cooperação. Para a criança de sete anos é aprendizado integral.
Resgatar a arte de subir em árvores é mais do que um gesto nostálgico, é um convite para reconectarmos nossas crianças com o mundo real, com seus corpos, emoções e com os outros. Ao estimularmos vivências ao ar livre, abrimos espaço para que cresçam mais criativas, resilientes e seguras, prontas para os desafios que nenhuma tela poderá resolver por elas. E você? O que pensa?
Rosângela Portela é jornalista, mentora e facilitadora
(rosangela.portela@consultoriadiniz.com.br)