Antologia organizada pelo próprio autor, “Um por todos – poesia reunida”, de José Paulo Paes (1926/1998), é desses livros para se ler e reler. O poeta é um dos grandes nomes da literatura brasileira contemporânea. Multi-instrumentista, o sujeito foi não só mestre na poesia, como também na tradução e no ensaio crítico. “Um por todos...” reúne poemas de oito livros, publicados entre a estreia, com o volume “O aluno”, de 1947, e “Calendário perplexo”, de 1983. O autor continuou na ativa nos anos seguintes, até o fim (“Prosa seguida de odes mínimas”, do qual já tratei aqui, é de 1992). Mas falemos da antologia. A poesia de José Paulo é pautada pela concisão, na linha do “menos vale mais”. Palavras encaixadas com precisão e leveza, sem abrir mão do humor. Nada sobra, como no poema “Etimologia”, ode ao Primeiro de Maio: “no suor do rosto/o gosto/do nosso pão diário/ sal: salário”. Ou “No lapso linguístico do candidato”, que diz: “Sou homem de ação/Não de palavra”.
Do livro “Novas cartas chilenas”, o poeta revisita clássicos da literatura de língua portuguesa, como Camões e Gonzaga, além de focar episódios da história pátria, com ironia e o onipresente bom humor: “A mão de obra – São bons de porte e finos de feição/E logo sabem o que se lhes ensina/Mas têm o grave defeito de ser livres”. Ou ainda “A partilha”, síntese da colonização nestas paragens: “Por esta carta régia seja a terra/Doada a quem, de largos cabedais/E mor prosápia, a cuide e frutifique,/Ressalvados os dízimos reais/ (...) Cative-se o gentio em guerra justa/Para as lidas de roça e de moenda,/Que o sangue do cativo faz o açúcar/Mais saboroso e mor a nossa renda”.
Não faltam homenagens a colegas de ofício, como Manuel Bandeira, Jacques Prevért, Arthur Rimbaud e Allan Poe. Do brasileiro, que num poema depreciou-se, chamando a si mesmo de “poeta menor”, José Paulo proclama em “Epitáfio”: “poeta menormenormenormenor(...)menormenor enorme”. No livro “Calendário perplexo”, de 1983, o poeta elenca datas, como o dois de novembro, finados: “faz/faz/faz/ jaz”, ou ainda “Dúvida revolucionária”, a respeito do 31 de março ou 1º de abril: “ontem foi hoje?/ ou hoje é que é ontem?”. Tem também o “Dicionário de rimas” para o 14 de março, dia da poesia: “A de amar:/ no lar/ Como no lupanar (...) J de juventude/A inquietude/da saúde (...) X de xeque-mate:/já não há deus que ate/nem desate. Z de zero:/ o número mais fero/e mais vero”. Para o 25 de dezembro, aparecem dois poemas: “Time is Money”: ele nasceu... não ouvem o galo?/vamos correndo crucificá-lo”; e o profético “Como armar um presépio: pegar uma paisagem qualquer/ cortar todas as árvores e transformá-las em papel de imprensa/ enviar para o matadouro mais próximo todos os animais/ retirar da terra o petróleo ferro urânio que possa eventualmente conter e fabricar carros tanques aviões mísseis nucleares cujos morticínios hão de ser noticiados com destaque (...) Depois de reduzir assim a paisagem à medida do homem/ Erguer um estábulo com restos de madeira (...) e esperar (...) quem sabe um dia ali nasce uma criança e a vida recomeça?”
Fernando Bandini é professor de Literatura (fpbandini@terra.com.br)