O brasileiro é um pouco desprovido de bom senso. Essa lógica natural com que deveria nascer a totalidade dos humanos. O “dar um jeitinho”, o pedido de coisas praticamente impossíveis são práticas rotineiras de muitas pessoas que não se acanham de importunar aqueles que elas acreditam providos de poderes incríveis.
É muito comum que se peça para interceder junto a alguém que tem discricionariedade para escolher uma pessoa a quem essa autoridade não conhece e nunca viu na vida. Para dar emprego, para conseguir uma vaga em escola – em todos os níveis: da educação infantil à Universidade. Para que o filho, ou a esposa, ou o sobrinho – ou qualquer conhecido – obtenha aprovação no processo de seleção para a pós-graduação em sentido estrito.
É muito difícil recusar esse apoio, embora se saiba que pedidos assim não têm condições de atendimento. Tenho um amigo que, como eu, é cultor da ética. Ele faz palestra por todo o Brasil – e até fora dele – falando sobre ética. E fica espantado quando, ao terminar sua fala, vem alguém pedindo para que ele deixe de lado a ética para recomendar o filho do pedinte para algum cargo ou posição de relevância.
Isso não é monopólio brasileiro, nem coisa contemporânea. Pedidos incríveis estão na história da civilização. Lembremo-nos de que o escrivão Pero Vaz de Caminha, ao escrever a El Rey, além de dizer que aqui, “em se plantando tudo dá”, pediu emprego para parente seu. E isso ocorreu mal se iniciava o século XVI.
O costume se manteve e se propagou. Os pedidos, os achegos, os lobbies, a procura de alcançar sinecuras ou mesmo colocações mais simples, continuam a ocorrer.
Encontro um episódio interessante, ocorrido na Inglaterra. Um intelectual famoso, Samuel Johnson, também era constantemente atormentado por pedidos. Era considerado alguém muito íntegro. E essa integridade, uma virtude que, se era incomum à época, hoje se encontra em agonia, aparece na carta que endereçou a uma senhora que lhe pedira que recomendasse seu filho ao Arcebispo da Cantuária, a fim de possibilitar o ingresso do jovem na Universidade. Muito modesta, ela aceitaria que o filho viesse a estudar em Oxford ou Cambridge.
A resposta de Samuel Johnson foi a que segue:
“Madame: Espero que acredite que minha demora em lhe responder se deve apenas ao desejo de não destruir nenhuma esperança que a senhora tenha nutrido. A esperança é por si só uma espécie de felicidade, talvez a maior que este mundo nos pode proporcionar. Entretanto, a exemplo de todos os outros prazeres de que desfrutamos imoderadamente, seu excesso deve ser expiado pela dor. Ao fazer seu pedido, a senhora deveria ter atentado para o que solicitava. A senhora me pede que procure um grande homem, a quem nunca dirigi a palavra, para beneficiar um jovem que nunca vi na vida, com base em pressupostos que não tenho como confirmar verdadeiros”.
Hoje, aquele a quem foi dirigida uma pretensão não teria coragem de responder assim. Existe uma espécie de constrangimento, uma categoria que se experimenta durante esses episódios, que alguns chamam “vergonha alheia”. Como é que alguém tem coragem de pedir coisa que deve ser obtida pelos meios previstos em lei: para cargos, há concursos de seleção. Para vagas, o preenchimento de alguns requisitos.
É urgente que, antes de pedirmos algo dessa natureza a alguém façamos um autoexame honesto, para não continuarmos no lenga-lenga de atribuir todas as misérias aos outros. Caminhemos com as próprias pernas. Assim, quando alcançarmos os postos cobiçados, terá sido por nosso próprio esforço e mérito.
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)