Quando o Carnaval ganhou as ruas, o que se ouviu em Itatiba foram gritos de dor. O colorido dos confetes cedeu lugar à monocromia vermelha do sangue. Era a violência policial que fazia mais uma vítima. E talvez fosse “só mais um caso” se a brutalidade das agressões não tivesse encontrado como alvo um vereador da cidade.
Vamos aos fatos. Na madrugada do último sábado, dia 1º março, um grupo de jovens comemorava as primeiras horas do Carnaval na Avenida Senador Lacerda Franco, quando foi abordado de forma desproporcional e potencialmente abusiva por uma equipe de policiais militares.
Nesse exato momento, o vereador Vinicius Costa passava pelo local. Ao invés de fechar os olhos para a situação que se desenhava, ele agiu. Se aproximou na tentativa de abrir diálogo com os policiais, com o objetivo de assegurar a integridade física dos jovens e o respeito aos seus direitos.
A situação fugiu ao controle e escalou rapidamente. Assim como os jovens que tentava ajudar, Vinicius também se tornou vítima. Foi brutalmente agredido pelos policiais e preso de forma arbitrária. Precisou de atendimento médico para tratar as lesões e prestar depoimento na delegacia, de onde foi liberado em seguida.
Esse triste episódio evidencia uma violência policial seletiva, que tem como alvo preferencial o jovem negro da periferia. Sim, o vereador Vinicius é negro, formado em escola pública e está no auge de seus 25 anos. E se um vereador, com todo o respaldo do Estado, passa por isso, imagine o que acontece na quebrada, longe dos holofotes.
Episódios de violência têm se tornado cada vez mais frequentes com a polícia sob o comando do governador Tarcísio de Freitas. Levantamento do Instituto Sou da Paz revela que o número de mortes por policiais em serviço cresceu 84% no ano passado. Cerca de 60% das vítimas tinham entre 18 e 39 anos e 62% eram negras.
Convivemos com um sistema de segurança pública repressivo e militarizado, herdado da Ditadura Militar, que estabeleceu um conceito de inimigo interno, enraizado ainda nos dias de hoje.
Durante os anos de chumbo, o alvo era quem se opunha ao regime, como partidos políticos, movimentos sociais e sindicais, entre tantos outros que lutavam por democracia, assim como narra a trama de “Ainda Estou Aqui”, agora eternizado como o primeiro filme brasileiro vencedor do Oscar.
Com a saída dos militares do poder, o inimigo interno mudou e a pobreza passou a ser criminalizada, representada na figura do jovem negro periférico.
Nossa inteligência policial, desenvolvida para bisbilhotar quem era contra a Ditadura Militar, é hoje aplicada para ações de repressão nas periferias, espalhando medo ao invés de segurança.
Enquanto isso, o crime organizado, que deveria ser o alvo prioritário da polícia, vem se fortalecendo e penetrando nos mais diversos setores do Estado.
Temos um grave problema de segurança pública em São Paulo. É preciso aumentar a lente e enxergá-lo tal como ele é para que, enfim, possamos corrigir a rota e direcionar nossos esforços de forma mais eficiente.
Enquanto isso, resta a nossa solidariedade ao vereador Vinicius Costa, assim como a todas as demais vítimas desta política violenta de segurança pública praticada hoje pelo governador Tarcísio de Freitas.
Mário Maurici de Lima Morais é jornalista. Foi vereador e prefeito de Franco da Rocha, vice-presidente da EBC e presidente da Ceagesp. Atualmente, é deputado estadual em São Paulo.