Vivemos em um tempo em que a experiência parece não ser suficiente se não houver registro nas mídias sociais. Uma viagem, uma refeição especial, um momento de lazer – tudo precisa ser fotografado ou filmado, compartilhado e validado nas mídias sociais. Proponho uma reflexão: estamos vivendo nossas histórias ou apenas as contando com superficialidade? A vida que as plataformas digitais nos mostram com tanto primor reflete exatamente como somos ou estamos?
As redes sociais transformaram a vida cotidiana em um palco constante. “Vivemos uma era em que a aparência importa mais que a essência, em que o valor de uma experiência é medido pelo número de curtidas, comentários ou compartilhamentos”, diz o filósofo francês Guy Debord, no livro “A Sociedade do Espetáculo”. Para ele, a sociedade moderna é dominada pela representação, de maneira que a exposição se torna mais importante do que a própria realidade. O espetáculo é uma manifestação da alienação, em que as relações sociais são mediadas por imagens e representações, perdendo sua autenticidade.
Momentos que antes eram vividos de forma íntima ou espontânea agora são moldados para parecerem mais interessantes ao público digital. Muitos adaptam suas rotinas para capturar o "momento perfeito", mesmo que isso signifique sacrificar a autenticidade da vivência. Existe uma diferença sutil, mas poderosa, entre viver e contar. Viver envolve estar presente, absorver emoções e sensações plenamente. Contar, por outro lado, é reinterpretar a experiência, muitas vezes ajustando-a para parecer mais atraente ou inspiradora. Será que estamos deixando de viver intensamente para narrar uma versão idealizada?
Fotografar uma refeição perfeita ou um pôr do sol deslumbrante não é errado, mas quando o objetivo é apenas mostrar aos outros, a experiência pode perder o significado original. Momentos simples se tornam performances cuidadosamente encenadas. Um efeito colateral desse fenômeno é a ansiedade em torno do que não foi compartilhado. Muitas pessoas sentem que experiências que não foram registradas ou publicadas são menos importantes, como se a ausência de um registro público anulasse sua existência. Essa lógica cria uma desconexão com o que realmente importa – viver pelo prazer de estar presente, não pela necessidade de exibir.
O desafio contemporâneo é resgatar o prazer da vivência sem a obrigação de registrar. A verdadeira liberdade reside em aproveitar os momentos plenamente, sem a pressão de transformá-los em conteúdo. Isso não significa abandonar as redes sociais, mas encontrar equilíbrio entre registrar e simplesmente viver.
Ao adotar uma postura mais consciente, somos convidados a refletir sobre o propósito por trás do registro. Além disso, viver sem a necessidade constante de validação externa permite desenvolver uma conexão mais profunda com o momento e com as pessoas ao nosso redor. Quando deixamos de lado a urgência de capturar tudo, abrimos espaço para a espontaneidade, para o inesperado e para as emoções autênticas que muitas vezes escapam às lentes. O equilíbrio está em entender que algumas das melhores histórias não precisam ser contadas ao mundo, mas vividas em silêncio, guardadas como preciosas memórias internas. Afinal, a vida acontece não apenas nas imagens que compartilhamos, mas sobretudo nos instantes que escolhemos simplesmente sentir.
Rosângela Portela é jornalista, mentora e facilitadora
(rosangela.portela@consultoriadiniz.com.br)