01 de dezembro de 2024
OPINIÃO

Esse filme me fez sentir tudo


| Tempo de leitura: 3 min

Desde as primeiras impressões ventiladas nos corredores da cinematografia internacional sobre a excelente atuação de Fernanda Torres, eu quis muito ver "Ainda Estou Aqui", filme de Walter Salles baseado no livro de um dos próprios personagens, Marcelo Rubens Paiva. Queria ver com os meus próprios olhos se realmente Fernanda Torres atuou o suficiente para "vingar" sua mãe no famigerado "Oscar da Vergonha" e trazer a primeira estatueta para o Brasil 25 anos depois.

Eu me blindei de tudo, pois queria ser completamente surpreendido pelo filme. Não li nada a respeito. Fugi de qualquer spoiler, opiniões e resenhas. Eu só sabia o óbvio: era um filme de ditadura baseado em fatos reais. Foi a melhor escolha que fiz. E se você ainda não assistiu a esse filme, aqui vai um conselho: pare de ler agora e vá para um cinema. Depois você volta. Você vai me agradecer mais tarde.

Por estar completamente "limpo" de qualquer interferência - a não ser os elogios que pipocavam nos stories dos meus amigos que já tinham ido ver o filme -, eu deixei o longa cumprir o seu papel comigo e me causar tudo o que ele podia. E lá estava eu, sentado na frente da tela, na poltrona G7, ao lado da minha companheira, Carol, na poltrona G6, pronto para o que viesse.

Fernanda Torres mostrou suas credenciais muito cedo. Não demorou quase nada para eu sentir orgulho de dividir a mesma nacionalidade da segunda maior atriz brasileira em atividade - sua mãe ainda reina, mas falo dela depois. "O Oscar vem!", pensava eu cada vez que ela aparecia na tela.

Mas a paz que senti vendo as cenas da família Paiva durou pouco. Como um suflê que desanda na forma, o filme parou de ser bonito e tirou de mim toda a alegria que tinha me dado enquanto ele ainda estava no forno. Senti tensão quando uma blitz rotineira mostrava a rotina violenta daqueles tempos. Senti medo quando os "homens da Aeronáutica" chegaram e levaram Rubens Paiva embora. Ali eu já sabia que seria a última vez que eu e todo mundo o veria.

Mas acho que o sentimento que foi mais presente, ou pelo menos foi o mais intenso, foi a raiva. Raiva da ditadura, raiva das pessoas que a sustentaram, raiva das pessoas que ainda a defendem... Indignação, sabe? E impotência também, afinal de contas, o que eu posso fazer para mudar isso?

Porém nada me devastou tanto quanto Fernanda Montenegro sentada no canto da mesa do almoço em família, quieta, amuada, muda. Sozinha em seu próprio mundo, a melhor atriz brasileira em atividade me fez sentir culpa. Minha avó materna, a dona Antônia, também sofre de Alzheimer. É exatamente como retratado pelo filme: uma senhorinha abatida que nada fala e que fica à mercê do tempo.

E é aqui que vem o sentimento de culpa. Num lampejo de lucidez, a personagem de Fernanda Torres e Fernanda Montenegro, a Eunice Paiva, reconhece toda história que viveu em uma reportagem que passava na TV (que estava na sua frente como uma "babá eletrônica") - exatamente como acontece com a minha avó. É nesse momento do filme que eu entendi: ela ainda estava ali. E se ela ainda estava ali, minha avó também está. Tem que estar. Só pode estar.

E lá estava eu, sentado na frente da tela, na poltrona G7, ao lado da minha companheira Carol na poltrona G6, com lágrimas rolando pelo rosto e em puro silêncio vendo os créditos subirem enquanto as fotos reais da família Paiva iluminavam a sala.

Um filme necessário. Apenas isso. Necessário. Além, claro, de ser belíssimo, sensível, emocionante, cativante, educativo… Esse filme é capaz de te fazer sentir de tudo. Esse filme me fez sentir tudo.

Conhecimento é conquista

Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)