Tão fascinante quanto estudar a anatomia e a fisiologia do ser humano e a sua evolução ao longo dos milênios, é igualmente atrativo um olhar pesquisador, um tanto “naturalista”, para a relação deste mesmo ser humano com as forças que compõem o invisível que o cerca.
Por vezes negando, outras vezes criando verdadeiras estruturas e teorias para explicar o mecanismo sutil que complementa a realidade cotidiana, homens e mulheres de todos os tempos e culturas lidaram, à sua maneira, com a força que dá alma aos objetos e é fagulha de vida presente em todos os seres animados.
Tarefa difícil, ainda hoje, falar de aspectos sutis que podem ser percebidos, mas não medidos, não vistos, que estão para além dos sentidos ordinários.
Estudar esse intangível também faz parte da minha história pessoal, uma vez que escolhi para minha especialidade médica algo que lida com “energia”, que, por sua vez, é uma substância “sutil”, cujos fluxos determinam a saúde e o “bem-viver” do ser humano.
Ainda que a acupuntura não seja atrelada a nenhum tipo de religiosidade, podendo ser praticada por todas as pessoas independente de credos (ou mesmo entre os que não possuem credo algum) eu me empenhei igualmente em estudar mitologias e sistemas que envolvem esse intangível.
Os primeiros registros arqueológicos que mostraram o trabalho do homem em sistematizar ritos para ordenar o invisível nos remetem ao antigo Egito, no “Livro dos Mortos”, definido de uma maneira rasa e modesta, como um “manual de condutas” para quem desejasse ser bem recebido nos “pós vida”.
A cultura egípcia foi uma das que influenciou, junto com outras tradições da região da mesopotâmia, as mitologias helenística e judaica, onde entendeu-se que as diferentes emanações da criação, compostas de diferentes frequências (ou dimensões) eram associadas ora com os diferentes “deuses” do panteão grego ou ora com aspectos distintos advindos de uma única entidade divina.
De muito relevo é que essa difusão ocorreu também para os diferentes reinos africanos como o Daomé, Bantu, Yorubá que hoje são nações geograficamente divididas em Nigéria, Togo e outras. Essa influência ocorreu tão intensamente quanto nos exemplos clássicos mais conhecidos e fundamentaram tradições fortíssimas, que não foram tão pesquisadas e conhecidas devido à influência socioeconômica de conquistadores do século XVI.
Durante este mesmo período e até o século XIX tivemos o lamentável tráfego negreiro e com ele a diáspora da cultura destes reinos para o sul dos Estados Unidos, Caribe e para terras brasileiras. Tradições como o Hoodoo americano, o Vodou haitiano “beberam” das ideias sobre energia que, um dia, também foram bases fundamentadas de mitologias clássicas, como a grega e a Kaballah judaica.
No Brasil, tivemos o sincretismo religioso dos reinos Bantu e Yorubá com as tradições católica e indígena para formar as linhas do que hoje conhecemos como o Candomblé, a Umbanda e outras afins. Intimamente ligadas com as raízes do nosso país, estes presentes culturais que aqui se formaram estruturaram nossa identidade brasileira dentro do cenário espiritual colocando-nos como habitantes tanto do reino da matéria, bem como do intangível que existe permeando o fluxo dos acontecimentos.
Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)