24 de novembro de 2024
OPINIÃO

Finados e as saudades que chegam


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Hoje vou abandonar a política, o dia a dia da cidade, para me concentrar em um tema tão comum a todos nós, as saudades. Só fui lembrar do Dia de Finados após ler a crônica de Maria Cristina de Andrade sobre a data e a saudades que ela sente dos seus pais. Pois eu também sinto tanta falta da mãe de Cristina, dona Irene, com sua doçura, bordados e alegria em compartilhar seu tempo com as crianças da Casa da Fonte. 

Quando chegamos na meia-idade ou um pouco mais, muitos de nossos afetos não estão mais por aqui. Já perdi muitos queridos nessa jornada, tias, mãe, pai, Josette Feres, que eu sempre considerei como uma segunda mãe, Dr. Tobias, meu amigo, e tantos outros. Mas a saudades do meu pai, que era de um afeto enorme e muito próximo por termos a mesma profissão, é um sentimento diferente.

Desde que ele se foi, há três anos, não tive o sentimento de ausência, que é tão comum nestes momentos. Para mim, meu pai está sempre comigo, no meu coração, no seu escritório em minha casa, no seu chope de todo sábado e nas pequenas viagens que eu fazia com ele até antes de sua morte.  Papai era muito doce, gentil e querido. Por onde ando, as pessoas vêm comentar algo engraçado, imagens de sua generosidade. 

Ele está comigo e chego a sentir essa presença. Na tomada de decisões, na forma como falo com meus filhos, na companhia do meu cachorro, que ficava com ele à tarde toda, de mãos dadas, assistindo a seus filmes e telejornais prediletos. Não sofro por sua partida, porque ele nunca partiu, para mim. 

É uma forma onírica de encarar a morte, que é um estado impermanente. Eu e ele acreditávamos em reencarnação, então, para nós, já já ele volta em forma de um afeto gigante através de um nascimento de um neto, parente ou alguém muito próximo. Sorte nossa que acreditamos na continuidade da vida. 

Gostaria de ter a bênção de um dia encontrar com todos eles, com suas qualidades ímpares, carinho e uma forma muito particular de encarar a vida. Vamos combinar que falta um bom papo, com humildade, sapiência e ironia neste mundo de agora. 

Se o Finados é um momento de reverenciar os mortos, não posso deixar de lembrar que há um ano o jornalista Alec Duarte nos deixou. Meu amigo de faculdade, professor e jornalista brilhante, a quem eu recorria quando precisava de conselhos ou dicas profissionais. Alec, Antonietta e eu éramos amigos de faculdade e continuamos nas últimas três décadas como colegas inseparáveis. Ai que falta que ele me faz! Toda vez que perdemos uma mente brilhante, sinto que o planeta ficou mais imperfeito e indigno. Alec sabia mais de smart city do que eu, mais de política, futebol e de música gaúcha. Ele me falava de teoria da comunicação, enquanto eu só sabia ser o que sou, uma escritora da vida.
 
Não é meu feitio me entristecer. Mas saudades de gestos, cheiros e destas personalidades queridas me sensibilizam. Ontem mesmo falei com Daniel Martinelli sobre a falta que o pai dele faz. Todo dia, ao entrar na redação, olho para a foto de Dr. Tobias e peço para que ele ilumine meu dia de trabalho. 

Eu sou da vida, da alegria e da comemoração. Mas acho que, ao reverenciar nossos afetos, essas vibrações chegam até suas almas, que se aquecem com o nosso amor. Por isso, a única alternativa é amar. Só o amor pode transcender o tempo.

Ariadne Gattolini é jornalista e escritora. Pós-graduada em ESG pela FGV-SP, é editora-chefe do Grupo JJ