21 de novembro de 2024
OPINIÃO

Antônio Cícero


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“Meu mundo você é quem faz/Música, letra e dança/Tudo em você é full gás/Tudo você é quem lança/Lança mais e mais”. Assim começa “Fullgás”, canção lançada há 40 anos, em 1984, e um sucesso estrondoso na voz de Marina Lima. Com melodia composta pela própria cantora, a letra ficou a cargo de Antônio Cícero. Os versos finais viraram um hino da década: “Você me abre seus braços/E a gente faz um país”. 

Antônio Cícero era irmão de Marina Lima, e ambos compuseram ainda outros hits, como “Alma caiada”: (...) “De dia caio minh’alma/Só de noite caio em mim/Por isso me falta calma/E vivo inquieta assim(...)”. Em parceria com Cláudio Zolli, Cícero emplacou outro sucesso na voz de sua irmã, “À Francesa”: “(...) Meu amor não vai haver tristeza/Nada além de fim de tarde a mais/Mas depois as luzes todas acesas/Paraísos artificiais/E se você saísse à francesa/Eu viajaria muito, mas muito mais (...)”. Com Lulu Santos, Cícero divide a autoria de outro megassucesso, “Último romântico” -- “Talvez eu seja o último romântico/Do litoral desse oceano Atlântico(...)”. Com Paulo Machado, compôs “Maresia”, hit na voz de Adriana Calcanhoto: “O meu amor me deixou/Levou minha identidade(...) Ah, se eu fosse marinheiro/Eu é que tinha partido...”.  

Antônio Cícero Correia Lima nasceu no Rio de Janeiro, em 1945. Seu pai foi diretor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Washington, para onde se mudou com toda a família. Foi nos Estados Unidos que Antônio Cícero fez o ensino médio. De volta ao Brasil, o futuro compositor estudou Filosofia na PUC carioca e concluiu sua graduação na Universidade de Londres. Fez pós-graduação na universidade Georgetown, nos Estados Unidos, onde também estudou grego e latim. Foi professor universitário de Filosofia e de Lógica, ensaísta, crítico literário e colunista de jornal. Cícero transitou com desenvoltura entre a poesia “de livro” e a “de canção”. Seu poema “Guardar” é dessas inspirações luminosas: “Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la/Em cofre não se guarda coisa alguma./Em cofre perde-se a coisa à vista./Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado (...)”. Com seu colega da Universidade Federal Fluminense, Alex Varella, coordenou cursos de Estética e Teoria da Arte no Museu de Arte Moderna do Rio. Com outro amigo, o também poeta Wally Salomão, criou entre 1993 e 1995, o ciclo de palestras “Banco Nacional de Ideias”, que reuniu pesos pesados das artes e do pensamento contemporâneo, como João Cabral de Melo Neto, Tzvetam Todorov, Derek Walcott, Haroldo de Campos e Darcy Ribeiro. 

Antônio Cícero foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2017.Diagnosticado com Alzheimer, passou por internações nos últimos anos. Optou por ter morte assistida na Suíça, onde a prática é legalizada, e lá morreu no último dia 23. 

“(...) Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se declara e se declama um poema: /Para guardá-lo (...) Por isso o lance do poema:/ Por guardar-se o que se quer guardar”. Guardemos, pois, os versos de Antônio Cícero.

Fernando Bandini é professor de Literatura (fpbandini@terra.com.br)