22 de dezembro de 2024
OPINIÃO

Educação: apoio e restrições


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Uma das capacidades mais notáveis que existe na criança é a sua aceitação daquilo que é novo e até mesmo extraordinário, vinda da visão que lhe é própria nesta fase da vida sobre todo o seu ambiente e acerca de si mesma.

Eu observo na minha prática médica que a criança, desde o seu nascimento e acolhimento em um sistema familiar, é submetida a uma série de demandas e contextos já existentes nesta dinâmica, se encaixando a eles de maneira impressionante e precisa, mostrando a percepção aguçada dos fatos ao seu redor.

Então, por isso, há muito me livrei do conceito de que crianças são seres frágeis psicologicamente e praticamente indefesos. Elas são criativas e espontâneas para conquistarem seu “lugar no mundo” segundo a percepção que chega até elas, desde mais tenra idade, com a ajuda e participação dos seus pais, irmãos e irmãs.

A construção do mundo infantil é um trabalho compartilhado com aqueles que já estavam aqui antes dela e o seu potencial de adaptação irá se desenvolver também “a partir” desta visão. Hoje eu vejo a educação como algo que baliza o potencial criativo da criança, mas que, primeiramente, não o restringe.

Lembro-me que quando recebi acupuntura pela primeira vez, aos 12 anos. Para a maioria das crianças desta idade a ideia de colocar agulhas no corpo é no mínimo encenar um filme de terror. No entanto, não foi assim para mim.

O que me “encorajou” muito a experimentar a técnica (depois tornando-me um forte adepto) foi o fato do meu pai, que realizava um tratamento para nevralgia do trigêmeo por acupuntura na época, falar para mim que as agulhas eram diferentes e por isso não doíam.

Ele não colocou outras justificativas ou criou histórias. Não explicou no que eram diferentes ou algo assim. Ele não aparentava medo, receio de falar ou mesmo que estava omitindo algo. Foi simples, categórico e sincero.

O resto foi com a minha curiosidade natural: “Como assim? Diferentes de que jeito?” - disse para mim mesmo, enquanto eu disparava para o consultório do colega médico que viria, diante da minha visão curiosa, me apresentar a uma agulha de acupuntura. Inserida em um ponto, ela me encantou definitivamente: realmente não doíam!

 O resto é história, hoje acumulo 21 anos exercendo a especialidade quase que diariamente.
 Naquele dia, o pequeno Alexandre aprendeu algumas coisas para além da utilidade de uma técnica oriental e milenar. Aprendeu também a confiar nos seus sentidos e sensações, para além dos próprios preconceitos. Descobriu que a realidade pode ser muito diferente do que se espera, de uma forma positiva e encantadora. O tempo ainda iria mostrar que essas pequenas descobertas poderiam abrir portas para uma vida inteira passar, bem através do que, naquele dia, foi um gesto simples de inserir uma agulha.

Não posso dizer se meu pai tinha a intenção, dentro do gesto dele, de me ensinar tanto, mas o fato é que isso ocorreu, florindo na minha mente infantil. Creio que o mais importante foi não ter me limitado com suas próprias impressões e ter-me dado a chance de experimentar por mim mesmo.

Talvez esteja aí, no apoio que mais orienta do que restringe, mais instiga à investigação do que dá opiniões prontas, é que reside as fundações de uma educação voltada para o futuro da nossa sociedade.

Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)