O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo não tem apenas a função de controlar os gastos dos municípios, à exceção da capital, que tem o seu próprio TCM. Ao contrário do Poder Judiciário, que só age quando provocado, a Corte de Contas pode atuar preventivamente. E, mais do que nunca, precisa cobrar das cidades os seus planos de riscos para desastres.
Por que isso? Porque os desastres ocorrerão. Durante décadas houve o alerta da ciência e a humanidade não tomou conhecimento. Agora, quem tem a palavra é a natureza. E ela responde mediante fenômenos extremos. A cada dia, a temperatura da Terra aumenta. Estamos numa panela de pressão ou, como já afirmou António Guterrez, o desesperado CEO da ONU, “a caminho do inferno”.
As chuvas, que sempre foram lenitivo e alimento para a terra produzir, rareiam. Quando vêm, são chuvas ácidas. Quem diria que durante final de agosto e início de setembro o Brasil estivesse em chamas? Estiagem, secura, calor em elevação e a crueldade de mentecaptos que atearam fogo a plantações e às minguantes reservas de mata nativa.
O TCE bandeirante apurou, com os dados de que dispunha até 2022, que 365 dos 644 municípios pelos quais responde, não possuíam plano de contingência de Defesa Civil para responder a desastres. Isso significa mais da metade das cidades, ou mais exatamente, 57%, despreparadas. Dessas negligentes, 66 sequer contavam com uma Coordenação Municipal de Defesa Civil.
É verdade que muitos dos municípios, nessa explosão emancipatória que não leva em consideração a viabilidade de criação de uma entidade federativa que depois vai depender dos Fundos de Participação, cuidem de criar suas Câmaras Municipais e prover cargos de funcionalismo, relegando para quando Deus quiser, a estruturação de sistemas de defesa para a população inerme.
Tal situação tem de merecer cobro e é a população civil que deve exigir de seus administradores as providências necessárias ao planejamento de um sistema destinado a salvar vidas.
O século 21 permite à humanidade trabalhar com evidências. Por isso é que existe um Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil e é possível elaborar um Índice de Efetividade Municipal do Observatório do Futuro, que o Tribunal de Contas do Estado criou em 2015.
Ressalte-se que não basta a criação formal de uma Coordenação ou um Sistema. Isso serviria apenas para aumentar o “cabide de empregos”, pois as Prefeituras costumam ser excelentes refúgios para aqueles que não se aventuram na tormentosa iniciativa privada.
Além de ações de prevenção, deve-se pensar como resgatar os mais vulneráveis, que são sempre os mesmos. Os moradores de rua, que crescem invariavelmente, os moradores de áreas insuscetíveis de ocupação residencial, os que constroem toscas moradias em morros sujeitos a desmoronamento. Os incautos ou imprudentes que vão morar à margem de cursos d’água. Embora estes rios tendam a desaparecer, pela seca implacável, quando houver precipitações pluviométricas intensas – e elas virão – a água vai tomar aquilo que o homem ignorante dela tirou. O que era margem, o que era várzea, será levado pela correnteza. Com isso, vidas estarão em perigo inequívoco.
A sociedade civil, essa ficção que muita vez fica acomodada, esperando que governos resolvam tudo, precisa também acordar. Depois das vítimas fatais, existe uma tímida reação. Mas não basta. Urge se preparar para o pior. Infelizmente, é o cenário que nos aguarda.
José Renato Nalini é Reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)