23 de novembro de 2024
OPINIÃO

Pistas óbvias, mas a cegueira persiste


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Vivemos um fenômeno, no mínimo, interessante atualmente. A verdade ganhou roupagens que seguem padrões estabelecidos pelos grupos sociais aos quais pertencem. Cada indivíduo tem seu próprio ponto de vista sobre o mundo, moldado por suas experiências, conhecimentos e emoções. Diante de um mesmo fato, diferentes pessoas podem ter interpretações distintas, o que não implica necessariamente que uma delas está certa e a outra errada, mas que a "verdade" é vista sob diferentes ângulos.

Existe um conceito que diz: há pelo menos três verdades — "a minha, a sua e a verdade verdadeira" —, o que nos lembra que a verdade é algo multifacetado. Ela pode ser subjetiva e sugestionada pela perspectiva de quem a observa e espelhar a complexidade das experiências humanas, onde um único evento ou fato pode ser interpretado de diferentes maneiras, dependendo de fatores como cultura, crenças pessoais, conhecimento e até o contexto emocional.

A ética de Platão oferece uma lente poderosa para entendermos como o ambiente influencia os valores praticados em sociedade. Para ele, a maioria das pessoas vive numa espécie de caverna, conformada com valores superficiais e distorcidos. Nesse mito, Platão descreve um grupo que vive acorrentado numa caverna, olhando para as sombras projetadas na parede. Essas sombras são a única "realidade" que eles conhecem. No entanto, “as sombras” são apenas reflexos distorcidos da verdade. Para os prisioneiros, esse ambiente é a totalidade da existência.

Quando um deles consegue sair da caverna e ver o mundo real, compreende que o que ele via antes eram apenas ilusões. Ao retornar para contar aos outros, eles se recusam a acreditar nele e preferem continuar na escuridão, na ignorância das sombras. O mito reflete a ideia de que, frequentemente, as pessoas se apegam às suas crenças limitadas e não querem "enxergar" a verdade maior, porque isso exigiria uma mudança fundamental em suas percepções e vidas.

"O pior cego é aquele que não quer enxergar". O mito descrito por Platão é uma metáfora sobre a influência do ambiente no pensamento humano, na formação de seus valores, crenças e comportamento ético, muitas vezes, sem que elas percebam. A caverna representa o ambiente social e cultural, e as sombras são as ideias, valores e "verdades" oferecidas, muito semelhante ao que experenciamos em nossa sociedade hoje.
 
Estamos na “Era da Pós-Verdade e das Fake News”, conceito que se refere a uma situação em que as emoções e as crenças pessoais têm mais influência na formação da opinião pública do que os fatos objetivos. As fake news (notícias falsas) desempenham papel central nesse cenário, distorcendo informações, levando as pessoas a negarem fatos claramente verificáveis. Rejeitar o óbvio é um fenômeno complexo, com raízes que vão desde a psicologia individual até fatores sociais e culturais. A negação está relacionada à dificuldade de lidar com informações que desafiam nossas crenças, medos ou interesses. A coletividade tende a acreditar em notícias que reforçam suas opiniões e rejeitam as que as contradizem. Entender as causas dessa negação é crucial para abordar a questão com empatia e encontrar formas eficazes de lidar com ela, seja por meio do diálogo, da educação ou do enfrentamento direto, dependendo da situação. E você? Saiu da caverna?

Rosângela Portela é jornalista, mentora e facilitadora
(rosangela.portela@consultoriadiniz.com.br)