O Cine Teatro República teve, em seu período de funcionamento, um importante papel cultural e social na Vila Arens e na cidade de Jundiaí. Dos anos 1920 até a década de 1970, marcou a vida dos jundiaienses e consolidou-se como um espaço de espetáculos de grande sucesso.
Com fachada em estilo eclético, adornada com volutas e querubins para impressionar os espectadores, o República era composto por um galpão com revestimentos de madeira e cadeiras articuladas da Fábrica de Cadeiras Pelliciari (a poucos quarteirões dali), que, ao se movimentarem, faziam barulho, atrapalhando o filme.
A Unidade de Gestão de Planejamento Urbano reconhece a necessidade de preservação do bem, que consta no Inventário de Proteção do Patrimônio Cultural de Jundiaí desde sua criação, em 2007. No entanto, após o prazo para efetivação do tombamento, o imóvel perde sua proteção. Essa é uma falha na lei, um perigoso atalho para possibilitar a demolição. Hoje, o proprietário do prédio do antigo Cine Teatro República solicita sua demolição, alegando essa razão.
Sensíveis a essa questão, pedimos, como fez a professora de história Regina Kalman ao protocolar o pedido, que se realize o tombamento com o devido processo e uma audiência pública com urgência. Vamos salvar este teatro, este edifício!
A cidade, que se orgulha de ter o Polytheama, também precisa se orgulhar de ter o Cine Teatro República, pois raras são as cidades que possuem um teatro de rua popular, íntegro e em funcionamento. Jundiaí tem dois, e não podemos permitir que, no século XXI, seja demolido um bem com essas características e esse passado.
O Cine Teatro República tem o mesmo valor que o Polytheama, com características populares e construtivas em sua fachada que o distinguem. Construído pelos imigrantes italianos que atuaram aqui no início do século XX, teve como projetista Giácomo Venchiarutti (1894–1976), pai de Vasco Venchiarutti (1920–1980), e contou com a colaboração de artistas como Raul Zomignani, responsável pelos ornamentos, e o escultor Silvio Graziani.
Giácomo, que empreendeu em vários cines-teatros e, no segmento de entretenimento, transformou o Cine Teatro República em uma sociedade anônima, da qual faziam parte várias famílias tradicionais italianas, como os Gaspari, os Franchi e os Rappa, entre outros. Vera Lucchini recorda que a Ferraspari tinha ações na sociedade do Cine República e contribuía para seu funcionamento.
O que permanece vivo são as lembranças daqueles que frequentaram o local, como vem sendo mostrado pelo Jornal de Jundiaí em suas edições dos dias 20 e 24 deste mês. Essas memórias justificam a preservação do prédio e, principalmente, seu potencial para despertar e incentivar o uso do edifício, seja com alugueis, patrocínios para seu funcionamento, ou desapropriação pela Prefeitura, dado o evidente desinteresse do proprietário pelo bem.
Odilies Moro, nossa cantora e atriz, teve ali seus primeiros contatos com o cinema e a arte. Ela, que ganhou o prêmio no Festival de Nancy, na França, em 1971, com a peça “O Casamento do Pequeno Burguês”, afirma que construiu seu personagem a partir das lembranças desses filmes transformadores e marcantes que assistiu no Cine República. Ela também recorda que seu pai fechava o bar que mantinha na Estação Ferroviária para vender pipoca no cinema, com símbolo do 4º Centenário de São Paulo (1954) impresso nas embalagens.
É preciso que o Cine Teatro República volte com ainda mais força e importância do que em seus tempos áureos, da mesma forma que o prefeito Pedro Fávaro o fez ao desapropriar o Polytheama na década de 1970, quando ele estava à venda e corria o risco de se tornar um supermercado. Na década de 1980, o prefeito André Benassi concretizou a restauração do bem, a partir das ideias de Lina Bo Bardi, transformando-o em um teatro popular. Embora o conceito de teatro popular não tenha se concretizado, tendo o Polytheama se tornado um teatro municipal mais nobre e distante do público, essa ideia pode ser recuperada no antigo Cine República, com direções experimentais, como aquelas que Odilies vivenciou no Cabaret de "O Casamento do Pequeno Burguês", de Bertold Brecht, dirigido por Luiz Antônio Martinez Corrêa.
Eduardo Carlos Pereira é arquiteto e urbanista (edupereiradesign@gmail.com)