A ideia de harmonia que a medicina chinesa utiliza é um pouco diferente do senso comum vigente aqui, no ocidente contemporâneo. Para além de uma condição bucólica e um tanto estática de contemplação e prazer infindável, no pensamento tradicional chines, harmonia é a integração com os grandes fluxos energéticos do “Cosmo” e do planeta Terra, da forma em que eles se apresentam, sem julgamentos ou expectativas.
Assim, Harmonia é percepção e integração ao fluxo do modo que ele é, de forma bem orgânica, experienciada não somente na mente, mas com o corpo todo e seus aspectos físico, emocional, espiritual, manifesto nos hábitos e comportamentos, tudo alinhado com o momento em que a interação ocorre.
Funciona tal como um viajante, ao montar a sua mala; ele não o faz simplesmente baseado no que ele acha elegante ou bonito. Antes de tudo, a elabora segundo o critério de utilidade de cada um dos elementos na jornada que virá. Para isso ele deve reconhecer, minimamente, o lugar que irá.
Claro que seguindo em direção ao inexplorado não saberá exatamente o que encontrar, mas os sinais do que lhe será necessário vão surgir, basta que “sintonize” seu aparelho de percepção e saberá o que precisa levar para tudo correr bem!
Na jornada da vida, o nosso aparelho de sensibilidade, aquele nos indica o que precisamos para a nossa realização, é um núcleo energético coexistente com o nosso órgão coração, chamado Anahata, segundo a tradição indiana, ou Xin pela linha chinesa clássica. Ele vai nos orientar no alinhamento com o caminho da nossa realização mais profunda ou nos alertar quando desviamos desse caminho.
A angústia, um incômodo que por vezes sentimos no peito, pode ser a manifestação dessa energia pedindo nossa atenção.
Como se forma essa sensação de “peso” no peito? Ocasionalmente contaminamos o Xin com uma energia densa, não alinhada com o nosso propósito, mas que insistimos em carregar, apesar de não ser útil na nossa realização. De fato, essa energia pode até nos atrasar no caminho ou mesmo parar o bom fluxo da jornada.
Convido então, caro leitor(a), para uma reflexão e um possível tratamento, agora mesmo. Aproveitando a energia da Primavera, que se anunciou no último dia 23, mostrando a vida rompendo o recolhimento e o corte do inverno, verifique se você está pronto para soltar o que nos pesa no coração a fim de seguir em frente na vida de uma forma mais leve.
Mágoas, julgamentos de ocorridos para os quais esperamos algum tipo de ação ou mesmo reconhecimento por nossas ações que não foram recebidas da forma que gostaríamos não cabem em uma vida nova e se constituem em bagagem desnecessária.
O viajante sábio coloca na sua mala apenas aquilo que dá conta de levar, de forma autônoma e com responsabilidade. De todo o resto é melhor que ele se liberte, dê por encerrados ciclos anteriores e, por muitas vezes, perdoe-se de erros e equívocos. Que ele o faça principalmente por si, pois, tal como a semente que abandona sua casca para fazer uma árvore inédita, os preconceitos e expectativas também devem ser deixados no passado.
Mesmo a saudade, que rende homenagem merecida ao que não mais é, deve ser proporcionada para ser portada de forma leve e sem esperar apoio de outros. O passado por vezes é sedutor, mas só existe vida adiante, na direção em que nossos pés apontam.
Alexandre Martin é médico especialista em acupuntura e com formação em medicina tradicional chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)