06 de outubro de 2024
OPINIÃO

Bets, o legal nem sempre é ético


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As apostas esportivas on-line estão se tornando uma epidemia de hábito compulsivo no Brasil, exigindo uma avaliação mais aprofundada das autoridades sobre a regulamentação, considerando seus graves efeitos colaterais na sociedade e na economia. Depois de um longo período, desde 2018, no qual as organizações que operam a modalidade exploraram o mercado brasileiro – livres, leves e soltas – inclusive a partir de suas sedes em outros países, entrará em vigor em 2025 a Lei 14.790/2023, que as institucionaliza e estabelece as regras para sua operação.  

Porém, não parece que esse dispositivo seja suficiente para o enquadramento das chamadas bets dentro de limites responsáveis e capazes de minimizar seus efeitos nocivos, a começar pelo lesivo e agudo potencial de despertar o vício por jogos. Número crescente de pessoas, inclusive de baixa renda e até utilizando recursos recebidos do Bolsa Família, apostam na promessa do dinheiro fácil, subliminarmente embutida no marketing e nos patrocínios das empresas. Os jovens e os aposentados são vítimas fáceis dessa armadilha lúdica, que compromete o orçamento das famílias e reduz seu poder de compra, afetando a indústria, o varejo e os setores produtivos, pois diminui o consumo.

Observam-se, ainda, danos psíquicos e emocionais, segundo médicos e psicólogos. O impulso obsessivo de apostar, a frustração pelas perdas e a ansiedade de conseguir dinheiro para jogar podem causar sérios problemas, como danos à saúde mental e física, conflitos familiares e até desvios de comportamento. Além disso, é praticamente impossível impedir os menores de idade de jogarem, embora a lei coíba. Não há como controlar isso no contexto de uma tecnologia muito acessível.      

Por outro lado, a regulamentação das bets escancara características peculiares de algumas normas que regem a economia brasileira: a contradição e o conceito distorcido de prioridades. Conforme estabelece a Lei 14.790/2023, as empresas de apostas serão taxadas em 12% sobre a receita bruta e os jogadores terão Imposto de Renda de 15% sobre prêmios maiores do que R$ 2,2 mil. É muito menos, pasmem, do que a carga tributária total incidente em produtos de primeira necessidade e/ou importantes para o trabalho e os estudos. Empresas do setor alimentício pagam, em média, 35%; produtos eletrônicos de fabricação nacional, considerando toda a cadeia produtiva, 142,98%; calçados e roupas, 92%; e brinquedos, muitos dos quais educativos, 128%.

Por melhor que tenha sido a intenção dos poderes Legislativo e Executivo na regulamentação das bets, com a expectativa de gerar receitas para o erário, destinar parte da arrecadação ao esporte, educação e outros segmentos, faltou um olhar mais amplo sobre as consequências danosas às pessoas, aos jovens, às famílias e à sociedade. A relação custo-benefício, inclusive no aspecto da tributação, não é boa.

Assim, a despeito de a Lei 14.790/2023 já ter sido aprovada e sancionada, entrando em vigor a partir de 2025, ainda é tempo de revisitá-la e reavaliá-la. Nesse sentido, considerando que o legal nem sempre é o ético, há subsídios valiosos gerados na análise dos seus diversos aspectos por médicos, psicólogos, advogados, tributaristas, empresários, entidades de classe, trabalhadores e pessoas de bom senso.

É hora de auscultar todas as críticas construtivas e fazer valer o conceito da democracia participativa, evitando um dano para o País tão previsível quanto a certeza de que, em qualquer modalidade de cassino, virtual ou físico, o jogador invariavelmente perde. No caso das bets, a maior derrotada é a família brasileira.

Rafael Cervone é o presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) e primeiro vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).