As evidências demonstram que já não se mostra adequado falar em “mudanças climáticas”. O mundo está diante de “emergências climáticas” e elas reclamam urgência de parte do Poder Público, em todas as suas esferas.
Fenômenos extremos, como os que aconteceram em São Sebastião no início do ano passado e no Rio Grande do Sul em maio deste ano, acontecerão em outros lugares. Talvez até com intensidade maior.
Todos sabem que precaução e prevenção custam muito menos do que a reparação. E como as obras necessárias à adaptação das cidades para evitar consequências danosas de desastres custam caro e pouco aparecem, as administrações vão deixando de efetivá-las.
Falei em “desastres” e cumpre deixar muito claro: eles não podem ser qualificados como “naturais”. Eles são provocados pela insânia humana. Quem trata a natureza como “coisa”, como se não fora parte dela, é que provoca reações como estiagens, chuvas copiosas, favorece incêndios e multiplica as possibilidades de sacrificar vidas humanas. Por isso, desastres como os que têm ocorrido no mundo todo são fruto da culpa do ser que se considera racional. Às vezes culpa em sentido estrito. Outras vezes, a modalidade do dolo eventual e, não raro, até do dolo direto. A vontade deliberada de perpetrar maus-tratos ao ambiente, sabendo quais as consequências disso.
Hoje a ciência mostra as vulnerabilidades de cada cidade e, dentro dela, as regiões mais vulneráveis. As encostas, que não podem ser destinadas à habitação. Os leitos dos rios e demais cursos d’água, que são sacrificados e espremidos para dar lugar ao asfalto, ao concreto. Nossas cidades servem prioritariamente aos automóveis. Só indiretamente às pessoas. Mesmo assim, as pessoas vão ocupando qualquer espaço junto às margens dos leitos fluviais, que devem ser reservados exatamente para o escoamento de chuvas excepcionais.
Cada Prefeitura deve elaborar um plano de gestão de riscos, antes de atuar apenas reativamente, após a ocorrência da catástrofe. Os Planos Diretores precisam conter detalhes sobre o adequado uso da terra. A construção civil deve ser ordenada de forma a não continuar na imbecilidade de cimentar todo e qualquer centímetro quadrado e deixar terra drenável, para que a água da chuva se infiltre no lençol freático.
Peca por omissão dolosa a Câmara que não cuidar de legislação que preveja toda espécie de adaptação do município para o enfrentamento das tragédias que o uso equivocado do solo vier a causar. E a água precisaria de um tratamento todo especial. O líquido mais precioso, sem o qual não há qualquer espécie de vida, é um bem finito. A perfuração de poços artesianos, ainda que autorizados, vai reduzindo a faixa de água dos lençóis freáticos e em cidades que vão sendo ocupadas por prédios, não será surpresa se estes cederem e trombarem entre si, pois não há espaço suficiente para uma inclinação que não atinja o edifício contíguo.
Fazer sempre as mesmas coisas, esperando que tudo funcione, é prova inconteste de estupidez. E o grau de estupidez, ao contrário da inteligência, é distribuído a mancheias. Não houve qualquer limite à contenção da idiotice humana. Embora a oferta de sabedoria tenha sido restrita a alguns poucos indivíduos privilegiados.
A palavra de ordem, hoje, em todas as cidades, é resiliência. Mitigar os efeitos das emergências climáticas já não é o bastante. Agora é tentar recuperar o tempo perdido, recuperar o solo cedido ao asfalto, construir “jardins de chuva”, formar “florestas urbanas”, remover moradias cujos habitantes correm o risco de perecer e fiscalizar o cumprimento de posturas que já existem, mas são negligenciadas.
O momento é de pôr ordem na casa. Quem não fizer isso responderá pelas tragédias que se avizinham e cujo anúncio tem sido incessantemente reiterado pelos cientistas. É ouvir e agir. Não haverá perdão para a omissão.
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e secretário-executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)