22 de dezembro de 2024
OPINIÃO

Em defesa da universidade gratuita


| Tempo de leitura: 3 min

Não é de hoje os ataques que representantes das classes mais favorecidas, ou melhor, dos mais abonados da sociedade, fazem contra a universidade pública. De tempos em tempos, surge alguma proposta de cobrança de mensalidade dos alunos nas instituições de ensino público do país. Desta vez, o ataque à gratuidade parte de um deputado estadual da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), que apresentou o projeto 672/2024 autorizando a criação do SIGA (Sistema de Investimento Gradual Acadêmico). Algo que, na prática, permitiria a cobrança de mensalidades na USP, Unicamp, Unesp e nas Fatecs de São Paulo. 

O autor da iniciativa, do neoliberal Partido Novo e da base de sustentação do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), argumenta que 20 países “desenvolvidos” adotam a cobrança de mensalidades em universidades públicas. Algo que, em tese, garantia maior eficiência e financiamento para as instituições. Entre eles estão os Estados Unidos, Austrália, Holanda, Nova Zelândia, Chile, Coreia do Sul e Inglaterra. 

O projeto defende a adoção do chamado ECR – Empréstimos com Amortizações Contingentes à Renda. Conforme o texto da proposta, “nesse sistema, os pagamentos são diluídos ao longo da vida do indivíduo, com prestações ajustadas de acordo com sua renda futura, o que torna o pagamento progressivo”. 

Na prática, o estudante se tornaria um devedor do Estado de longuíssimo prazo, quiçá pela vida inteira, acrescentado mais um compromisso de difícil pagamento aos seus rendimentos. Algo semelhante a quem adquire empréstimos de financiamento da casa própria, que passa décadas com o compromisso mensal de pagamento da dívida. 

É assim, aliás, nos Estados Unidos, onde os estudantes passam boa parte de suas existências lutando para pagar as dívidas com a faculdade onde se formaram, assim com as famosas hipotecas de seus imóveis.  

O curioso é o projeto protocolado na Alesp trazer alguns exemplos de países “desenvolvidos”, mas esquecer que outras nações, também desenvolvidas e com os maiores padrões de qualidade de vida do planeta, bancam a gratuidade da educação de seus estudantes. Casos dos países nórdicos, como Suécia, Noruega, Dinamarca, ou da Finlândia. 

Na situação brasileira, é preciso lembrar que historicamente o ensino superior, gratuito ou não, foi marcado pelo elitismo. Foi recentemente, com a implantação de políticas públicas agressivas, como a adoção das cotas, por exemplo, que o acesso à universidade tornou-se mais amplo, democrático e possível para os egressos de famílias menos favorecidas. 

Pesquisas recentes demonstram que a presença de alunos oriundos da escola pública no ensino superior público e gratuito cresce anualmente. Em 2021, a USP registrou que 51,7% dos estudantes matriculados vieram das escolas públicas, sendo 44,1% autodeclarados pretos, pardos e indígenas (PPI). Das 10.992 vagas da instituição ofertadas naquele ano, 5.678 são de alunos das escolas públicas, sendo 2.504 desse contingente formado por pretos, pardos ou indígenas. Nas instituições federais, quase dois terços da população discente têm origem nas escolas públicas. 

É certo que muito ainda deve ser feito para universalizar o acesso ao ensino superior – público, gratuito e de qualidade – no país. O movimento estudantil, acertadamente, tem como bandeiras de luta a inclusão, pertencimento e permanência. No entanto, tais metas não serão alcançadas jogando nas costas dos estudantes o ônus do financiamento do ensino público, cuja gratuidade é inclusive um preceito constitucional. 

A melhoria do ensino superior brasileiro, como demonstra as diretrizes do governo Lula, só será alcançada com maior destinação de recursos públicos para o ensino em todos seus níveis, investimento em qualificação e valorização dos profissionais da educação e na adoção de processos democráticos de acesso. 

Qualquer proposta diferente disso é retroceder ao tempo em que o ensino superior é sinônimo de elitismo, conservadorismo e, acima de tudo, um instrumento das classes mais altas na manutenção de seus históricos privilégios de classe. Que os colegas da Assembleia Legislativa de São Paulo tenham sabedoria e consciência para barrar mais esse ataque vergonhoso aos mais pobres, que ainda podem sonhar em cursar uma boa universidade pública e gratuita.

Maurici é deputado estadual (PT - SP)