A doença de Alzheimer entrou no cenário da saúde mundial de forma repentina, trazendo consigo grande apreensão. Em um momento em que a duração da vida das pessoas se prolongava como nunca antes, e as expectativas para uma velhice longa e produtiva eram grandes, os diagnósticos se tornaram cada vez mais numerosos.
Mesmo entre celebridades, em que se acreditava haver o estilo de vida mais saudável possível, a doença surgiu, subtraindo o passado das mentes, como um ladrão contra o qual não se podia fazer muito. Ronald Reagan, quadragésimo presidente americano, foi um dos diagnósticos que causou grande comoção pública. Ele faleceu em 2004, sem saber que havia governado uma das maiores potências do mundo durante a Guerra Fria.
Contudo, como toda dor, a doença trouxe consigo "uma porta" para mais conhecimento e possíveis caminhos para a vida, que tinha que continuar. Graças a isso, hoje temos mais recursos que permitem prevenção e, muitas vezes, tratamento em um nível mais elevado do que já foi possível.
Provamos cientificamente o que já se percebia por instinto: somos "animais" sociáveis por herança dos nossos genes de mamíferos, e, com isso, ter uma vida saudável entre nossos familiares e pares é proteção contra a perda das nossas próprias referências. Parece que a presença física daqueles por quem nutrimos amor, e que nos retribuem da mesma forma, cria uma rede que constantemente nos lembra de quem somos.
Tudo o que facilita esse contato social entrou na lista de prevenção: cuidados precoces de distúrbios visuais, auditivos e até mesmo o grau de instrução se mostraram eficientes para manter nosso cérebro saudável. Todos esses fatores devem fazer parte de políticas públicas de prevenção ao Alzheimer e trazem uma boa dose de esperança aos olhos comprometidos com o estudo e tratamento da condição.
Claro, esse conhecimento teve um preço. Toda porta tem sua chave, e essa nos custou uma boa dose de coragem para olharmos um medo que há muito demandava ser visto.
Quem somos nós? No que nos baseamos para responder a isso? Onde está a nossa essência? Qual parte do meu corpo é a mais essencial para quem eu sou? Caso eu acredite que o "Alexandre" está, digamos, mais no meu fígado do que em outros "lugares", e eu tiver cirrose, serei menos eu?
O cérebro e seu funcionamento são responsáveis por muitas de nossas capacidades, entre elas a de exteriorizar nosso comportamento social. Uma apraxia nesse órgão fará grande diferença em como nos apresentamos aos outros, mas não "apaga" quem nós somos. Não invalida tudo o que vivemos. Dar à doença esse poder seria excessivo.
Somos o campo que se manifesta no nosso corpo e o torna sagrado, e não meramente um produto do seu funcionamento e metabolismo. Nossa existência está calcada no que tocamos e sentimos, em nossas tristezas, alegrias e lembranças, é verdade. Contudo, o propósito que alinhou essas experiências e as nutriu com a energia da vida está no campo invisível que nos acompanha desde o nascimento e nele permanece intangível, independentemente dos obstáculos da nossa jornada terrena.
Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)