22 de dezembro de 2024
OPINIÃO

No caminho de Bilac


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“Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada/E triste, e triste e fatigado eu vinha./ Tinhas a alma de sonhos povoada,/ E a alma de sonhos povoado eu tinha...” São estes os quatro primeiros versos do soneto “Nell mezzo del cammin” (“No meio do caminho”), de Olavo Bilac. O título retoma a abertura do “Inferno”, de “A Divina Comédia”, do italiano Dante Aliguieri (1265/1321) – “No meio do caminho desta vida/me vi perdido numa selva escura/Solitário, sem sol e sem saída”, na tradução de Augusto de Campos. No poema de Bilac, a segunda estrofe diz: “E paramos de súbito na estrada/ Da vida, longos anos, presa à minha/ A tua mão, a vista deslumbrada/ Tive da luz que teu olhar continha”. A vida é uma estrada, anuncia a metáfora do poema, e nesse percurso os dois amantes ficaram muito tempo juntos (“presa à minha a tua mão), com o sujeito encantado pelo brilho e beleza da amada. “Hoje, segues de novo... Na partida/Nem o pranto os teus olhos umedece/Nem te comove a dor da despedida./”. 

Ué, eles se separam e a menina nem chora pelo cara? Calma, leitor, não pense mal de ninguém. Leia o terceto final: “E eu, solitário, volto a face e tremo,/Vendo o teu vulto que desaparece/Na extrema curva do caminho extremo”. Se a vida é uma estrada, como já foi dito, pode-se entender que sua última curva é a morte. O texto sugere que a garota morreu, deixando sozinho o eu lírico. Um único adjetivo – “solitário” – caracteriza quem permaneceu vivo, lamentando a separação e a despedida. O soneto de Bilac é exemplar quanto ao comedimento e discrição. Deixa de lado o sentimentalismo exacerbado de antecessores, a turma ultrarromântica que cultivou o exagero e o egocentrismo como virtudes. Uma preciosidade esse soneto de Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac. Nascido em 1865, no Rio de Janeiro, ele formou-se em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo. Trabalhou como inspetor federal de ensino e jornalista. Foi poeta e cronista, com sua obra reconhecida pelo público e pela crítica de seu tempo. Virou o símbolo maior do que se convencionou chamar de Parnasianismo, escola literária chegada no requinte formal inspirado nos clássicos, com versos regulares e um vocabulário seleto. Os parnasianos gostavam de “falar difícil” --  o que não é o caso deste “Nell mezzo del cammin’ bilaquiano. 

O soneto de Bilac foi parodiado por Carlos Drummond de Andrade em seu “No meio do caminho” (“No meio do caminho tinha uma pedra/Tinha uma pedra no meio do caminho...”), poema tão famoso quanto polêmico, divisor de frentes na década de 1920 quando foi publicado (os detratores diziam que era coisa de maluco; os apoiadores consideravam-no genial). Bilac não acompanhou a polêmica, pois morreu bem antes, em 1918. Sua obra – espicaçada pelos organizadores da Semana de Arte Moderna de 1922 – retorna revalorizada pela crítica equilibrada de Manuel Bandeira, para quem Bilac ocupa posto elevado na poesia de língua portuguesa. Bandeira observa a repetição de certos caminhos na poesia do antecessor, mas reconhece-lhe os méritos na fatura dos versos. Olavo Bilac conhecia seu ofício.        

Fernando Bandini é professor de Literatura (fpbandini@terra.com.br)