21 de novembro de 2024
OPINIÃO

Chamou pela cadeirada e a cadeirada veio


| Tempo de leitura: 4 min

No último domingo (15), assistimos (ou pelo menos quem estava acordado e conectado seja pela TV ou pela internet) a um dos eventos mais absurdos da história dos debates políticos televisivos do país. José Luiz Datena (PSDB) deu uma cadeirada em Pablo Marçal (PRTB) no debate entre os candidatos à prefeitura de São Paulo na TV Cultura.

Eu mesmo estava pronto para ir dormir. Não estava assistindo ao debate pois estava imerso na Fundação e Terra, livro do genial Isaac Asimov. Mas o hábito - que também pode ser considerado vício - de dar aquela última olhada nas redes antes de dormir, me despertou  de um sono que já custava a vir. "O Datena deu uma cadeirada no Marçal", foi a mensagem que li em um dos grupos de WhatsApp no qual faço parte. E nem precisei me mexer. A imagem da cadeirada veio na sequência.

Assistindo à cena e vendo a reação da internet - meu deus, que falta o Twitter faz nessas horas -, fui dormir com a cabeça cheia. Mas antes eu ri, depois eu me preocupei e quando eu acordei pela manhã eu fiz aquelas análises de chuveiro que pretendo compartilhar com  você. Minha conclusão é: essa cadeirada foi boa para muita gente.

Foi boa para o Marçal, óbvio. Tudo bem que tomar uma cadeirada na cabeça pode te causar um ou outro hematoma, mas tomar uma cadeirada ao vivo na TV em um debate político quando você é um dos candidatos deve ser bem satisfatório. Marçal, que faz de sua campanha  uma verdadeira página do TikTok, ganhou o corte que queria.

Aliás, ele queria ser agredido desde o primeiro debate e lutou arduamente para tirar seus concorrentes do sério. Tentou com todos eles, dando apelidinhos dignos de quinta série aos seus adversários, fazendo pirraça - quem não lembra dele tirando Guilherme Boulos  (PSOL) do sério com a carteira de trabalho? - e até abusando das acusações, muitas vezes pesadas.

Viu que não arrancaria nada de Ricardo Nunes (MDB), de Tábata Amaral (PSB) e nem do próprio Boulos, partiu para cima de Datena que nunca escondeu seu destempero que era e sempre foi a sua marca registrada na TV. Provocou o apresentador até conseguir o que queria,  o papel de vítima. Mais do que isso, provou para todo mundo que ele tem mesmo condição de entrar na mente de muita gente. Cabeça vazia, oficina de coach.

Datena também sai ganhando com a cadeirada. Em baixa nas pesquisas, o apresentador tinha perdido a fama de machão após ameaçar ir para cima de Marçal no debate da Gazeta no dia 1º de setembro e não ter chegado a vias de fato - ocasião exaustivamente explorada pelo coach para chamá-lo de covarde. Além disso, chorou em uma sabatina realizada pela Folha de São Paulo no último dia 13 de setembro. A cadeirada reverteu essa imagem.

Praticamente fora da disputa em quinto lugar nas pesquisas, Datena já está focado em seu retorno para seu programa policial. Com a cadeirada em Marçal, ele volta por cima e com o discurso de que "não leva desaforo para casa" cheio de virilidade, marcas típicas de quem  comanda programas como Cidade Alerta, Brasil Urgente entre outros.

Boulos e Nunes também ganharam com a cadeirada. Agora, mais do que nunca, os dois despontam como opções razoáveis e civilizadas para disputarem um segundo turno. Embora o Marçal tenha conquistado grande parte do eleitorado, suas estripulias passaram dos limites e  a audiência já o vê como um bobo da corte, como aquele moleque que adora provocar uma briga para animar o colégio, porém a hora da prova está chegando e muita gente vai querer levar a aula a sério.

Ganha também a crônica televisiva que sempre presenciou os bufões nos debates. Já vimos Paulo Maluf, Enéas Carneiro, Brizola e tantos outros protagonizarem momentos ímpares na TV, mas dessa vez temos uma cena que entrará para a história e será comentada para sempre. A cadeirada beneficia, por incrível que pareça, até mesmo a TV Cultura. Essa imagem vai rodar o mundo e o logo da estatal vai junto. Diga-se de passagem que a Cultura endureceu as regras para evitar o pior, mas infelizmente não funcionou.

Até mesmo o brasileiro memista ganha com isso. Uma enxurrada de memes e piadas estão surgindo sobre esse episódio e a cadeirada entra para o Hall da Fama da zoeira tupiniquim. Acho que estamos falando de um potencial Top 10, tá? Um verdadeiro deleite para um país que adora rir da própria desgraça.

Quem perde com a cadeirada é a democracia. Indo na onda do que foi dito pela Mariana Janeiro, candidata a vereadora aqui de Jundiaí, o debate é um rito importante para fortalecer o processo democrático. Transformá-lo em um ringue de barbárie só deteriora sua importância  e transfere para a internet - vulgo terra de ninguém - a maior fatia informacional para se decidir em quem votar. Um perigo para um povo que ainda não aprendeu direito como escolher seus representantes.

Conhecimento é conquista.

Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)