21 de novembro de 2024
OPINIÃO

Algo de bom acontece


| Tempo de leitura: 3 min

Tenho partilhado angústias com quem se propõe a ler minhas reflexões diárias. Aflito com a inércia e a omissão quase generalizada, em relação ao agravamento da deterioração planetária, penso que o ponto de inflexão – após o qual não haverá retorno – já foi ultrapassado.

Investe-se no automóvel, o mais egoísta dentre os veículos automotores, em regra a transportar uma só pessoa: o motorista. Insiste-se na exploração do venenoso petróleo. Inunda-se a Terra com o descarte excessivo de resíduos que poderiam ser reaproveitados, houvesse juízo e consciência. E destrói-se o que resta de cobertura vegetal em todos os biomas.

O cenário é de completo desalento. Mas no deserto de boas práticas, algumas delas se destacam e alentam o fio de esperança que resiste.

Há verdadeiros herois que, sozinhos e até hostilizados, continuam no exercício patriótico de devolver à natureza aquilo que dela se extraiu e se continua a extrair, de forma inclemente. É o caso de Hélio da Silva, um aposentado que nos últimos vinte e um anos, plantou sozinho e por sua conta, cerca de quarenta e uma mil árvores, de cento e setenta espécies, na capital paulista de verde tão desigual. A maior parte dessas árvores está no Parque Linear Tiquatira, na zona leste. A área à margem do correto Tiquatira era subutilizada e degradada. Ele começou a plantar árvores nativas da Mata Atlântica em 2003 e, em 2008, a área foi convertida em Parque. Hoje, um dos maiores parques lineares do mundo, com trezentos e vinte mil metros quadrados e três quilômetros e duzentos metros de extensão. Para ele, “árvore é como filho”. Quer chegar às cinquenta mil. “Não é hobby, é missão!”.

Encontrou resistência. Por incrível que pareça, há quem não goste de árvore. Justamente quem mais precisa, pois os vulneráveis são os que têm proteção se houver o verde garantidor de sombra, temperatura amena e água. Sem árvore não há água. Insistiu e, com sacrifício, plantou jatobá, guapuruvu, araucária, pitanga, jabuticaba. Hélio exportou sua ideia. Plantou mil árvores em Jacareí e quase quatro mil no Piscinão da Penha. Ao mesmo tempo, divulga a verdade de que ganha cinco anos a mais de sobrevivência, quem mora perto de área arborizada.

Deve existir mais gente que faça o que Hélio faz. É um exemplo a ser seguido por quem não encontra o que fazer e se deprime por não ter objetivo na vida. Por que não devolver à natureza o que dela se rouba, sim, não é mero furto. É violência contra o ser natureza! Verdadeiro roubo: subtrair coisa alheia com violência ou ameaça grave.

Há também iniciativas grupais. Por exemplo, a recuperação ambiental do córrego da Lagoa, no Jardim São Marcos, em Campinas. Moradores, a Fundação FEAC e a Prefeitura de Campinas idealizaram criar o Parque Linear e os moradores cuidam da praça. As plantas ornamentais foram colocadas pelos próprios moradores da região. A comunidade esteve envolvida no projeto desde o seu início. É um modelo que pode ser replicado nos bairros carentes de verde e de vida de qualidade.

Empresas também se preocupam com o futuro da humanidade. A Sapore, multinacional do segmento de restaurante corporativo, investiu quase três milhões na substituição de copos plásticos por reutilizáveis em suas unidades. Com isso, dezesseis milhões de copos de plástico deixarão de ser utilizados a cada ano.

E o Legislativo de Vinhedo, que está a padecer de grave escassez hídrica, adota iniciativas ecológicas e chama a atenção da cidadania. Os veículos oficiais já não são exclusivamente movidos a combustível fóssil, reduziu-se quase por completo o uso de plástico, mediante adoção de garrafas térmicas em lugar das garrafinhas pet, lâmpadas só LED e intensificação da educação ambiental.

Tudo isso pode ser feito em qualquer cidade. Até porque, ninguém está imune às emergências que ocorrerão daqui por diante, com fenômenos extremos, mais frequentes e com intensidade decuplicada.

José Renato Nalini é Reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)