Em um momento em que se questiona a branquitude nas artes e a importância da representatividade negra, a imagem dos brancos na pintura brasileira foi construída desde seus primórdios. Basta vermos o trabalho de Benedito Calixto, pintor paulista, encarregado de fazer pinturas em que os herois e o povo são sempre brancos. Isso está fixado em todos os lugares onde a imagem definia o bandeirante, o português e o índio. A imagem do negro foi abolida.
A exposição "Tobias, o Negro" desempenha o papel de possibilitar a representação do negro na pintura, ou do “quase branco”, retratando principalmente a si mesmos. É como se tentasse compensar o apagamento dessa imagem na arte brasileira. Essas extensas pinturas de negros provocavam interesse na compra, pelo exotismo ou pela diferença representada na repetição exaustiva de suas figuras negras.
Para Lilia Schwarcz, em seu livro Imagens da Branquitude: A Presença da Ausência, "tratamos de uma verdadeira cultura visual que leva a racializar apenas uma parte da população — a 'outra', aquela que pode ser rotulada e exposta — enquanto os que são 'donos das definições' permanecem como que imunes e vacinados por efeito de seus próprios critérios".
Esta exposição prova o que a coleção de João Borin conseguiu acumular em mais de 40 anos de buscas e aquisições desses trabalhos. São 53 obras — 50 do acervo de Borin e 3 de outros colecionadores — que agora podem ser vistas no Solar do Barão, em Jundiaí. Marginal, acadêmico, mas fora dos padrões, Tobias é apresentado por meio de uma carta ampliada, que oferece um histórico da vida desse artista.
A exposição também retrata o cotidiano de Tobias, suas loucuras, festas e seu desprendimento em relação ao dinheiro — o que ganhava, gastava imediatamente. Essa carta, escrita por Fraga, um amigo do artista, foi recebida por Borin em 1985 e tornou-se um eixo central para a exposição, ajudando a entender a vida e obra de Tobias.
As paisagens compõem outro capítulo, evocando uma agradável sensação de pertencimento histórico e prazer. Elas estão reunidas em uma sala especial e organizadas como nas antigas exposições acadêmicas do século XIX. As paredes são tomadas por essas obras, que revelam uma importante competência na leitura da paisagem, nas flores decorativas e, acima de tudo, nos registros históricos dos lugares que pintou.
Destaca-se a aquarela que mostra a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Bento em construção, datada de 1938. Além de ser uma bela obra, é um documento histórico imperdível, certamente uma referência para futuros estudos sobre esse patrimônio cultural.
O esforço de Tobias em convencer que sempre esteve próximo de pessoas importantes — e, seguramente, brancas — e que, por ser amigo delas, pôde ter privilégios e acesso ao convívio com as elites, é uma forte evidência do preconceito arraigado na sociedade brasileira. Essas virtudes e dons são feridas disfarçadas que aparecem agora nos retratos.
Por breves períodos, Tobias levou uma vida de bon vivant. Em outros momentos, gastava todo o dinheiro que ganhava com prostitutas ou vivia de favor nas casas de amigos.
Em sua história, Jundiaí foi cenário de suas obras durante os cinco anos em que ali morou, hospedado nas casas de figuras ilustres da época, que faziam o papel de mecenas, mas que, na verdade, não lhe deram o apoio necessário. O dom de pintar paisagens, telas e aquarelas se manifestou, mas sem o devido reconhecimento. Formado no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, uma das instituições mais importantes da época, Tobias continuou transgredindo, vivendo à margem de uma sociedade que pouco mudou desde então.
As pinturas de negros e negras — não se sabe se pelo exotismo, que atraía interesse e compradores na época, ou se como forma de protesto e luta — refletem sua trajetória. Schwarcz escreve ainda que "nada aprisiona a arte em sua capacidade de maravilhar", referindo-se à gravura Mercado de Escravos, de Rugendas (1835), que para ela retrata o local como "o símbolo maior da tentativa de transformar uma pessoa em objeto, que pode ser vendido [...]".
Por tudo isso, "Tobias: O Negro" é uma exposição inédita e imperdível! Ela ficará em cartaz até o dia 31 de outubro no Museu Histórico e Cultural de Jundiaí, no Solar do Barão, na Rua Barão de Jundiaí, 762.
Eduardo Carlos Pereira é arquiteto e urbanista (edupereiradesign@gmail.com)