21 de novembro de 2024
OPINIÃO

O frágil equilíbrio entre o público e o privado


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O excesso de exposição nas mídias sociais tem deixado as pessoas um pouco confusas... a linha tênue entre o que é privado? O que é público? A crescente exposição da vida privada, marca registrada do avanço das mídias sociais, revela por meio de incidentes cotidianos, como essa distinção impacta diretamente a vida das pessoas, especialmente no que diz respeito à educação e ao comportamento social.

Recentemente, uma situação simples me chamou a atenção: em uma loja, um aviso colocado ao lado de uma poltrona novíssima, recém-chegada dizia: "Não coloque os pés em cima do sofá". O comentário espontâneo entre as clientes, incluindo o meu, foi quase unânime: "Como alguém coloca os pés num sofá se que não está na sua sala de estar? Cadê a educação que vem de casa?"

O incidente reflete uma questão central na discussão sobre o público e o privado, a educação e o respeito pelos espaços compartilhados. O comportamento inadequado em espaços públicos revela, muitas vezes, uma falha na educação familiar, que deveria inculcar nos indivíduos os limites necessários para viver em sociedade. Quando o privado — a educação que se recebe em casa — falha, o público — o espaço coletivo — sofre as consequências.

Outro exemplo alarmante foi a "brincadeira" de crianças que deixaram papel higiênico sujo de fezes na porta de uma vizinha, num condomínio de classe média. O comportamento, que poderia ser considerado impensável por muitos, levou a uma reflexão sobre os limites que deveriam ser estabelecidos pelos pais. A pergunta que surge é: "Que pais são esses, que parecem estar com medo de impor limites? Muitas vezes, motivados até pelo receio de sanções legais ou sociais, pode levá-los a uma falha na transmissão de valores essenciais. Quando os pais abdicam de seu papel de educadores, a consequência é a deterioração do comportamento social, que se torna evidente em espaços públicos.

Este fenômeno pode ser observado tanto no microcosmo de uma loja, onde um aviso precisa lembrar os clientes de algo que deveria ser óbvio, quanto em situações mais graves, como a falta de respeito pelos vizinhos. O espaço público, que deveria ser um reflexo do respeito e da educação recebida em casa, torna-se, assim, um local de conflito e desrespeito.

A cultura do "oversharing" e a constante exposição nas redes sociais podem ser interpretadas como uma manifestação da tendência de esvaziar a individualidade e diluir a profundidade da experiência humana.  Olavo de Carvalho defende que o privado é o verdadeiro núcleo da liberdade. Ele critica a exposição excessiva promovida pelas mídias sociais. Para ele a preservação da privacidade é essencial para a autonomia e a dignidade humana, e que a tendência de expor o privado no espaço público é um sinal de degradação cultural. Já, os filósofos Renato Janine Ribeiro e Marilena Chaui argumentam que as mídias sociais refletem a fragilidade do espaço público brasileiro, onde as barreiras entre o público e o privado são facilmente transpostas, resultando em uma exposição que muitas vezes serve mais ao entretenimento do que à cidadania. Segundo eles, as mídias sociais podem representar uma perda do sentido de comunidade e do debate público significativo.  Vamos refletir sobre o assunto?

Rosângela Portela é jornalista, mentora e facilitadora
(rosangela.portela@consultoriadiniz.com.br)