22 de dezembro de 2024
OPINIÃO

Roncos, Vozes e outras manifestações


| Tempo de leitura: 3 min

Existem certos elementos na nossa vida cotidiana que são muito presentes e atuantes, tão fundamentais no que fazem que, paradoxalmente, passamos a relevar sua ação ou mesmo “esquecemos” da existência deles. Como a energia elétrica. Brinco com meus clientes que só lembramos dela em dois momentos: na hora de pagar a conta e quando ela falta.

Acreditam que o mesmo fenômeno acontece com partes do nosso corpo? Não é insólita a possibilidade de “esquecermos” de um pedaço de nós mesmos? Querem experimentar? Vamos lá!

Vocês já pensaram no seu pescoço hoje?

Talvez vocês não tenham pensado na totalidade desta estrutura, que transcende em muito a mera função de apoio para a cabeça. Ele tem músculos fortes e fibrosos, capazes de trazer segurança para a cabeça, onde se localizam os nossos órgãos sensoriais, e, ao mesmo tempo, músculos delicados, envolvidos na deglutição, o ato de engolir.

Aliás, o pescoço é a sede do complexo aparelho que gerencia a “via” do engolir e a da fala, ambos de grande importância.

A mastigação e a deglutição, absorvendo o nosso alimento, estão entre as interações mais precoces que temos com o meio ambiente, ocorrendo desde o nascimento até o último dia da nossa vida. Fisicamente, o pescoço encontra-se conectado com a via por onde o ar entra e (principalmente) sai dos nossos pulmões, alimentando a nossa voz, que também é uma das nossas primeiras manifestações no mundo (o choro da criança quando sai do ventre materno) e será portadora da nossa palavra durante toda a vida, até o último suspiro.

O pescoço é o gerente do funcionamento dessas vias, já pensaram?

Claro que, por vezes, desequilíbrios de tensões, articulações rígidas e uma coluna cervical rígida podem causar um mau funcionamento que comprometa o livre fluxo dessas vias, levando as pessoas aos consultórios com queixas de roncos, apneias do sono, rouquidão da voz, estalos e dores para mastigar e até mesmo para engolir.

Infelizmente, é nessa hora de desconforto e disfunção que muitos “lembram” que têm pescoço e como o seu bem-estar influencia as atitudes mais básicas da nossa vida.
Sendo conhecedor de uma anatomia mais sutil, aproveito o texto para lembrar que o pescoço também é o endereço de um centro energético com a função primordial de expressão das ideias, tanto as que “descem” da nossa cabeça (mente) quanto as que emergem diretamente do coração. Este nódulo energético tem vários nomes, dependendo da tradição que o descreve; talvez vocês o conheçam como vishuddha chakra, segundo dita a norma indiana.

A autoestima e a vontade de viver se expressam pelo esplendor e radiação deste fluxo energético, que coloca no tecido da realidade as nossas ideias em forma de palavras. Caso não fosse o arcabouço muscular do pescoço, produziríamos nada além de roncos, silvos e estalidos para nos comunicarmos, e por isso já sou bem grato. No entanto, a lesão deste fluxo de energia pode ser ardilosa e sutil, e temos que nos atentar bem para evitá-la.

O vishuddha se enfraquece com mentiras. Todas as mentiras que pronunciamos com a nossa energia, mas, particularmente nocivas para ele, são as mentiras que falamos para nós mesmos.

O desrespeito com a própria voz e o nosso íntimo corrompe a autoridade perante nós mesmos, diminuindo o nosso poder e a nossa capacidade de realização. Saúde e bem-estar também residem no bom uso desta via de manifestação da nossa natureza humana.

Alexandre Martin é médico especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)