22 de dezembro de 2024
OPINIÃO

Não exijam tanto das crianças


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As novas gerações, quando têm pais esclarecidos, talvez sofram mais do que as antigas. Pois a competitividade obriga que as crianças não só apresentem resultados positivos na escola convencional, como também completem sua formação aprendendo inglês, praticando jiu-jitsu, natação, treinando informática e outras atividades que as tornam escravas do tempo e das exigências de rendimento.

Ninguém precisa ser gênio ou dominar todas as artes e engenhos. O principal é ser feliz. Respeitar as inclinações naturais. Lembrar-se de Khalil Gibran: filhos são setas disparadas. Temos de amá-los, não de governá-los. Somos companheiros de viagem, não seus donos.

Insistir na genialidade dos filhos é certeza de frustração. Eles podem querer outro trajeto. Só se importe com a felicidade deles. Que eles saibam que você os ama incondicionalmente e que podem contar com você. Lembro-me de uma amiga, Odette Matarazzo, que dizia: “Para socorrer um filho, vou até o Inferno!”. Que não seja necessário chegar aos quintos, mas o essencial é deixá-los escolher seus caminhos e fazer suas opções.

Um livro interessante é “Old Masters and Young Geniuses”, de David Galenson, da Universidade de Chicago. Nessa obra, “Velhos Mestres e Jovens Gênios”, ele mostra que a criatividade pode demorar para chegar. E isso é evidenciado por números e gráficos. Durante oito anos, ele analisou os trabalhos de quarenta e dois artistas, pesquisou preços, citações nos livros escolares e a idade que cada um tinha quando deu sua maior cartada.

Descobriu que o mundo das pessoas consideradas brilhantes se divide entre jovens gênios, que ele chama de conceitualistas, e velhos mestres, chamados experimentalistas. Pablo Picasso está no primeiro grupo, já que pintou “Les Demoiselles d’Avignon” aos 26 anos. Já Paul Cézanne chegou a pintar “Château Noir” aos 64 anos.

Os conceitualistas são audaciosos, rápidos e confiantes. Antes de começarem a obra, já a têm pronta na cabeça. Reinventam conceitos desde cedo e atingem o clímax até os trinta. Depois, continuam bons, mas não geniais. Do lado oposto, estão os experimentalistas: pessoas quietas, mas persistentes, que passam a vida entre tentativa e erro, até chegar à perfeição depois dos cinquenta.

Quando se procura saber como foi o percurso dos “gênios”, os Mozarts, é fácil encontrar algumas figuras bem conhecidas nossas. Para começar, Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) escreveu sua obra-prima, “O Casamento de Fígaro”, aos trinta anos. Mas, desde criança, tocava cravo e piano, encantando as plateias perante as quais seu pai o fazia interpretar. Na literatura, Jorge Amado (1912-2001) escreveu sua obra-prima, “Capitães de Areia”, aos vinte e cinco anos. No cinema, Orson Welles (1915-1985) produziu o inesquecível “Cidadão Kane” quando tinha vinte e seis anos. E o grande Albert Einstein (1879-1955) elaborou e entregou sua “Teoria Especial da Relatividade” quando completava vinte e cinco anos.

Já do lado dos “experimentalistas” estão José Saramago (1922-2010), cuja obra-prima é “Ensaio sobre a Cegueira”, escrita aos setenta e três anos. Ludwig van Beethoven (1770-1827) compôs a “Nona Sinfonia”, hoje o Hino Nacional da Comunidade Europeia, já com cinquenta e quatro anos. No cinema, Alfred Hitchcock (1899-1980) produziu “Um Corpo que Cai”, com a linda Kim Novak, quando já completara cinquenta e nove anos. E o cientista Max Planck (1858-1947) entregou ao mundo sua obra-prima, “Os Fundamentos da Física Quântica”, aos quarenta e dois anos.

Cada qual tem o seu tempo certo. Não cobrar, não exigir, não atormentar. É o que dá mais certo. A experiência mostra isso.

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)