27 de setembro de 2024
OPINIÃO

Tarifa zero e o almoço grátis: quem paga a conta?


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O economista neoliberal estadunidense Milton Friedman popularizou a frase “não existe almoço grátis”, no sentido de que sempre, em qualquer circunstância, alguém paga a conta daquilo que é produzido ou fornecido, seja um produto ou um serviço. 

A expressão, ultimamente e com certa frequência, está sendo utilizada nas discussões sobre a tarifa zero no transporte público. Entre eles, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e um conhecido apresentador de um telejornal matutino.

Pois bem, nem o governador, tampouco o apresentador, estão errados. De fato, não existe almoço grátis. No caso, o equívoco está na perspectiva do debate sobre o financiamento e nas prioridades do sistema do transporte público para o conjunto da população. 

Hoje, o modelo vigente privilegia em demasia o transporte individual. O Estado investe uma considerável parte de seus recursos em manutenção do viário, controle de tráfego, equipes de fiscalização e socorristas, construção de novas pistas, pontes e viadutos, entre inúmeras outras ações. Quase todas, destinadas ou objetivadas para melhorias do transporte individual, protagonizado pelos veículos de pequeno porte. 

E os carros pequenos têm em média quatro metros de comprimento com uma ocupação média de 1,5 passageiro. Por sua vez, os ônibus articulados costumam medir 20 metros e carregam 120 passageiros. Desta forma, os carros transportam menos de 10% da quantidade de pessoas num mesmo espaço público. 

Mas a prioridade dada ao transporte individual impacta a sociedade não apenas no orçamento destinado às vias públicas. Também atinge a economia no geral, os gastos com saúde e a qualidade de vida da população, sujeita a congestionamentos, poluição e consideráveis desperdícios de um tempo que poderia ser melhor utilizado para descanso, lazer ou investimentos em cursos etc.

No que diz respeito aos gastos com saúde, os efeitos colaterais de um trânsito por vezes caótico e fundamentado no transporte individual, resulta em graves doenças pulmonares causadas pela poluição, custos com vítimas de acidentes - mais de 52 mil ocorrências de trânsito com vítimas apenas nas rodovias federais do país em 2022 – e até com transtornos mentais gerados com o trânsito louco dos grandes centros. E, tanto os casos de doenças respiratórias quanto as vítimas de acidentes ou transtornos mentais, em geral, acabam tendo seus tratamentos custeados pelo SUS.

Neste contexto, o “almoço” ou o financiamento do transporte público precisa ser debatido num aspecto bem mais amplo. Não sob relação direta de custeio direto sobre o prestador do serviço e pagador, no caso o poder público, mais especificamente o municipal no caso dos ônibus, por exemplo.

E, apesar de pouco conhecidas, existem propostas de financiamento que são altamente viáveis, que podem causar uma verdadeira “revolução” no setor. Assim como acontece com a implantação do SUS (Sistema Único de Saúde), que mudou a cara da saúde pública no Brasil e é exemplo para o mundo, tramita no Congresso Nacional, em debate na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 25/2023, da deputada Luiza Erundina (PSOL-SP) e relatoria do deputado Kiko Celeguim (PT-SP), criando o SUM (Sistema Único de Mobilidade).

A proposta, que já tem o apoio de mais de 170 deputados, prevê uma série de mecanismos para financiamento do sistema de transporte a partir dos princípios da universalidade, gratuidade, descentralização e cooperação, planejamento integral e participação social.

Pela iniciativa, os recursos serão definidos em lei e considerando a realidade de cada região e cidades, numa espécie de “cesta”, reunindo impostos e taxas vindas da União, Estados, Distrito Federal e municípios. Aos municípios, aliás, seria permitido instituir cobranças para custear o serviço, a Conusv.

Além disso, para fazer sentido, a medida precisa considerar uma questão central, que é a integração entre os vários modais, de maneira que cada um complemente o outro. Principalmente nas regiões metropolitanas, altamente adensadas e que demandam deslocamentos mais longos. 

Por fim, não há mesmo “almoço grátis”. E é preciso registrar que nosso sistema tributário é regressivo, que incide mais pesadamente sobre os mais pobres. Com a adoção do SUM teremos mais justiça social, melhoria na prestação do serviço e mais racionalidade nos investimentos e gastos públicos.

Maurici é deputado estadual (PT-SP)