22 de dezembro de 2024
OPINIÃO

Ter idade e envelhecer


| Tempo de leitura: 3 min

Pela minha profissão e especialidade, é frequente o meu contato com a população que é considerada idosa pela maioria das pessoas. Curioso e frequente escutar, então, comentários como o de uma simpática senhora que me procurou por dores crônicas na coluna lombar:

 - (...) É “duro” ser velho, doutor, não queira “ter” idade! - disse a charmosa senhora, ironizando a própria condição.

 - Ao contrário, amiga - respondi de “bate-pronto” - desejo ter idade, sim! A meu ver, essa opção é muito melhor do que a alternativa!

 - Qual seria ela, doutor?

 - Morrer ainda “jovem”, minha cara - disse eu, com cordial sorriso, que provocou uma risada (um tanto nervosa) na minha cliente.

Acho que esse diálogo (sim, foi real!) abre portas para várias reflexões sobre a nossa vida e o rumo que decidimos tomar com ela. Afinal, do ponto de vista filosofia que rege a medicina chinesa, de onde surgiu a acupuntura e a fitoterapia tradicional, a vida e a nossa força em viver é o nosso bem mais precioso, devendo ser tratado (e assim denominado em vários tratados) como um “tesouro”.

Segundo esses tratados, esse “tesouro” nos seria entregue pelos nossos pais e reflete a “força de viver” que existe na nossa própria linhagem, provando que os chineses antigos já tinham algum grau de percepção da importância da genética na saúde e ter idade de uma maneira mais confortável e digna.

Entendo, então, que o comentário da minha querida cliente se torna sarcástico por uma confusão de conceitos, comum no ocidente: envelhecer não é o mesmo que ter idade.

A idade é um conceito puramente linear e cronológico. Refere-se ao tempo transcorrido de uma determinada data (o nascimento, no caso) até o momento presente. O resultado é sempre um número, mas com frequência ele é recebido como uma condenação, irremediável, inexorável para uma queda progressiva e com um final negro e incerto (dramático, não?). Contudo, isso ao menos não é a realidade toda. Ainda bem.

Reconheço as incertezas da vida e as respeito, mas a parte assustadora deste quadro constitui o que os antigos médicos dos clássicos chineses chamam de “envelhecer”, podendo ocorrer em qualquer momento da vida, não só quando se “tem idade”.

O envelhecimento, por essa ótica, é o processo de perda progressiva das funções e possibilidades que nos levam em direção a ter “mais vida”. Por vida entendamos não somente saúde, mas também felicidade e a sua busca dentro do lazer, dos amores, da abundância e tudo mais que faz a jornada terrena “valer a pena”, no senso comum.

Ora, se nos limitamos pelos nossos medos para, por exemplo, não aprendermos uma língua nova, uma habilidade manual ou fazer algo diferente do que estamos acostumados, estamos literalmente envelhecendo, escolhendo um caminho sem grandes possibilidades de expansão e de desenvolvimento do viver. Isso mesmo que estejamos na “flor da idade”.

Para preservarmos o nosso “tesouro”, devemos investi-lo sabiamente para que nos coloquemos a caminho de aumentarmos nossas potencialidades, através de uma boa dieta, exercícios físicos e equilíbrio emocional. Ter idade é normal e muito desejável, mas a qualidade do processo de envelhecimento depende das escolhas que estamos fazendo hoje mesmo, no momento presente.

Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em medicina chinesa e osteopatia (xan.martin@gmail.com)