26 de julho de 2024
OPINIÃO

Calder e Miró


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Uma exposição incomum e fascinante reúne dois dos maiores artistas plásticos da modernidade. O pintor espanhol Juan Miró (1893/1983) e o escultor estadunidense Alexander Calder (1898/1976) são os protagonistas da mostra “Calder + Miró”, em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. Ao todo, são 150 obras expostas, vindas exclusivamente de colecionadores brasileiros, emprestadas por instituições públicas e particulares. Há pinturas, esculturas, desenhos, móbiles, maquetes, fotografias e gravuras. Textos didáticos e esclarecedores revelam diversas facetas dessa dupla irrequieta. 

Os dois se conheceram em Paris, em 1928, e cultivaram sua amizade ao longo de toda a vida. Calder chamou a atenção da crítica e de colegas pelo inusitado uso de arame e aço e pela inovação de suas esculturas abstratas. Miró enturmou-se com os surrealistas, ganhou prestígio e reconhecimento por sua originalidade e inventividade.

Ambos estabeleceram relações com o Brasil. Miró foi amigo pessoal do poeta João Cabral de Melo Neto, com quem conviveu na Espanha, quando o artista e diplomata brasileiro serviu no consulado em Sevilha. Estudioso das artes plásticas, Cabral escreveu ensaio a respeito da pintura do catalão. Calder foi amigo do crítico de arte Mário Pedrosa e do arquiteto Henrique Mindlin. Os dois foram grandes divulgadores da obra do estadunidense no Brasil. Calder chegou a visitar o país em duas ocasiões. Numa delas, ciceroneado por Oscar Niemeyer, conheceu Brasília e se encantou com a cidade recém-inaugurada. Chegou a desenvolver maquete de um móbile gigantesco para a Praça dos Três Poderes, mas o projeto não foi adiante por desinteresse do governo brasileiro. Também doou para o Instituto dos Arquitetos do Brasil (em São Paulo), a “Viúva Negra” (“Black Widow”), imenso móbile exposto em sala especial na atual mostra paulistana. Mindlin e outros arquitetos anteviram as possiblidades de integração das esculturas de Calder com a arquitetura modernista desenvolvida no Brasil a partir de meados do século passado. Sua obra teve a primeira exposição por aqui nos anos de 1940. Voltou na década seguinte, para mostra no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1959. Nesse ano, o cronista Rubem Braga escreveu: “(...) essas coisas de Calder parecem pássaros, quem sabe são capazes de comer alpiste, talvez num sábado de tarde, se a amada de olhos de luz nos visitar, quem sabe, cantem – acredito que possam cantar como estranhos pássaros”.
 
Miró nunca veio ao Brasil, mas sua obra pode ser vista em acervos pelo país, assim como se percebe sua influência na trajetória de artistas brasileiros como Hélio Oiticica, Milton Dacosta e Tomie Ohtake. Na mostra do Instituto, há uma sala reservada a brasileiros cujas obras dialogam com as dos dois estrangeiros. Além dos já citados, aparecem ainda Ione Saldanha, Lygia Clark e Franz Weissmann.
A curadoria da mostra é de Max Perlingeiro, com pesquisas de Paulo Venâncio Filho, Roberta Saraiva e Valéria Lamego. “Calder + Miró” segue até 15 de setembro. O Instituto Tomie Ohtake abre de terça a domingo, das 11 às 19 horas. A entrada é gratuita.

Fernando Bandini é professor de Literatura (fpbandini@terra.com.br)