27 de julho de 2024
OPINIÃO

Amiga, desculpa a demora pra te responder


| Tempo de leitura: 3 min

Amiga, bom dia, mil desculpas pelo delay, eu ouvi seu áudio enquanto tava enrolada fazendo outras coisas, fiquei de responder depois com calma e, quando me dei conta, já tinham se passado dois meses, inclusive parabéns atrasado pela promoção no trabalho, eu vi nos seus stories!, e enfim, agora já não lembro mais o que você tinha me perguntado na mensagem, que doida eu, mas tô bem, vou indo aqui, daquele jeito, aliás não repara na minha voz rouca, ontem eu fui num show babado e gritei horrores, você deve ter visto no meu Instagram também, né? você também deve estar se perguntando por qual motivo eu estava online e investindo meu tempo postando vídeo pra um mundo ver em vez de cultivar minhas verdadeiras amizades, e eu me pergunto a mesma coisa, porque acho que no fundo saboto relações saudáveis por medo da vulnerabilidade que eu sentiria com um laço mais profundo com alguém que vai ver minhas loucuras de perto, e daí fico nesse eterno looping de te responder semanas depois, porque aí eu diluo minhas camadas sem filtro, mas tirando isso tá tudo ótimo, e você, como tá?, espero que esteja bem também, saudades, me manda notícias quando puder, se quiser também, e é isso, beijo.

Aos leitores e leitoras que se identificaram, toca aqui. Bem-vindos e bem-vindas à era do “faço tudo ao mesmo tempo e no fim não faço nada”. E esse texto é um tabefe especial de Dia do Amigo, que foi comemorado ontem (20), pra gente lembrar de algumas coisinhas que nos são bem caras e que a gente tá deixando passar. Porque Milton Nascimento cantou “amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves” em homenagem à sua amiga, Elis Regina, morta em 19 de janeiro de 1982, mas a gente tem inúmeras outras formas bem mais simples de demonstrar afeto no dia a dia, certo?
Não dá pra falar de amizade sem tocar em um ponto fundamental que é o das relações humanas, e de quantas maneiras malucas essa correria dos tempos contemporâneos os aniquila aos poucos.

Somos, por natureza, seres sociais, e precisamos uns dos outros para sobreviver. Mas estamos vivendo um momento no mundo em que o individualismo e a autossuficiência são valorizados. Não só isso. Estamos tão cansados, sugados pelo trabalho e pela rotina mecânica, que o Instagram vira mesmo uma TV automática de canais chamados stories e de memes que disparamos aos nossos contatos, até que não sobra - ou não queremos investir tempo - em realmente personalizar uma mensagem que começa com “oi, tudo bem?” para quem importa. Quando a gente vê, já é Natal, já é Páscoa, o ano acabou, e pá pum, amor de amigo não é tão incondicional que sobreviva a uma falta de água.

A avaliação da psicóloga Renata Ishida, gerente pedagógica do Laboratório Inteligência de Vida (LIV), serve de embasamento pro que eu vou falar agora: marido, esposa, mãe, irmão e papagaio não substituem um amigo. Leia isso de novo se precisar. Na amizade, a hierarquia e autoridade existentes na família se diluem. “Quem melhor que um amigo para ouvir sobre isso que a gente sofre?”, questiona ela.

Isso aqui é um lembrete pra gente ficar atento às estrelas que orbitam a gente tentando estabelecer vínculo, e a gente, vendo vídeo na internet, não vê. A gente tá tudo meio lascado, cansado, às vezes sem bateria social nem pra descer pra pegar encomenda na portaria. Mas se um certo alguém surgir por aí convidando pra um café, uma cerveja, um jantar, bora dizer sim? Enquanto a gente tá travadão naquele conceito de amizades de infância que duram pra sempre, mas todo mundo casou, ficou no “vamos combinar” e ninguém combinou nada, pode ter um amigo novo aparecendo aí pra ficar e se tornar sua casca de bala favorita, mesmo que cada um leve semanas pra se responder no zapzap. Se eu puder dar uma dica, do auge da minha vida adulta de quem já viu muitos irem embora e poucos e bons ficarem, eu digo: tenham amigos.

Mariana Meira é jornalista, cantora e editora-chefe do Jornal de Jundiaí (mmeira@jj.com.br)