A escritora Adélia Prado tem bons motivos para festejar neste mês de julho. Ganhou os prêmios Machado de Assis e Camões, reconhecimento por sua obra vasta e diversificada. O Machado de Assis é conferido pela Academia Brasileira de Letras (ABL), e premia o conjunto da obra de um escritor. Guimarães Rosa, Cecília Meireles, Érico Verissimo são alguns dos grandes já premiados pela ABL. O Camões é outorgado pelos governos de Portugal e do Brasil a escritores de língua portuguesa. José Saramago, Mia Couto, Lygia Fagundes Telles estão entre os selecionados. Além do reconhecimento, há um valor pago aos vencedores. O Machado de Assis confere 100 mil reais e o Camões, 100 mil euros (cerca de 590 mil reais). Essa quantia vai agora para a conta da professora Adélia Luzia Prado de Freitas, nascida em 1935, em Divinópolis, Minas Gerais.
Quando apareceu na cena literária, na década de 1970, Adélia Prado era uma senhora casada, com cinco filhos, trabalhando como professora do primário e ginásio em escolas públicas mineiras. Ela mandou seus poemas para o poeta e crítico literário Affonso Romano de Sant’Anna que não só gostou muito do que leu como reenviou os versos para seu colega Carlos Drummond de Andrade. O também mineiro Drummond encantou-se com a poesia da novata nem tão novinha (ela estava próxima dos 40 anos de idade). Em sua coluna no então influente “Jornal do Brasil”, Drummond escreveu: “Adélia é lírica, bíblica e existencial. Faz poesia como faz bom tempo”. E mais: recomendou ao editor Pedro Paulo Madureira que publicasse a poeta. Dessa maneira, apareceu em 1976 seu primeiro livro de poemas, “Bagagem”. No lançamento, compareceram além dos “padrinhos” Drummond e Affonso Romano, uma constelação que reuniu o filólogo Antônio Houaiss, o poeta Alphonsus de Guimaraens Filho e as escritoras Clarice Lispector e Nélida Piñon, além do ex-presidente Juscelino Kubitschek. A menina estreou com tudo e mais um pouco. Além da poesia, vieram também romances, coletâneas de contos e livros para crianças.
Em 1987, a atriz Fernanda Montenegro estrelou o espetáculo teatral “Dona Doida”, dirigido por Naum Alves de Souza, com roteiro a partir de textos de Adélia Prado. Sucesso de público e crítica, “Dona Doida” rodou o Brasil.
Sua poesia conversa com outros grandes da literatura brasileira, como o já citado Drummond. Em seu “Com licença poética”, ela parodia o famoso “Poema de sete faces”, do conterrâneo, e escreve: “Quando nasci um anjo esbelto,/desses que tocam trombeta, anunciou/Vai carregar bandeira./Cargo muito pesado pra mulher,/esta espécie ainda envergonhada. (...) Vai ser coxo na vida é maldição pra homem./Mulher é bicho desdobrável. Eu sou.”. Católica, o misticismo e a transcendência são assuntos frequentes em seus versos. O crítico Augusto Massi classifica sua religiosidade não como repressiva, mas sim libertária, daí a constância de temas como sexualidade e condição feminina. Catolicismo e poesia, por sinal, têm no Brasil ilustres predecessores, como Manuel Bandeira e Murilo Mendes. Dona Adélia segue esse andor, e o ilumina e renova.
Fernando Bandini é professor de Literatura (fpbandini@terra.com.br)