21 de dezembro de 2024
OPINIÃO

Não foi, nem será surpresa


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A tragédia que assolou a população gaúcha era esperada. Ocupação de áreas inundáveis. Ausência de adaptação para o enfrentamento das mudanças climáticas. É aquilo que a empreendedora cívica Ilona Szabó de Carvalho já dissera em artigo publicado em 15.11.22 e reiterado em 15.05.23: “Não há lugar para onde fugir; precisamos urgentemente mitigar, ou seja, reduzir as emissões de gases de efeito estufa para frear as mudanças climáticas e adaptar para um mundo em aquecimento – com foco especial em preparar as cidades com infraestrutura adequada para absorver os choques, além de treinar as populações para lidar com os impactos”.

Aquilo que aconteceu no extremo Sul pode ocorrer em qualquer lugar do mundo. Inclusive aqui. E o que tem sido feito para remover os mais vulneráveis daquelas áreas que nunca poderiam ter sido ocupadas? As regiões dos mananciais? As encostas dos morros? As glebas que deveriam permanecer verdes, para propiciar a drenagem da água que não vem, mas que, quando vier, será violenta e inclemente?

Não se alegue ignorância ou surpresa. A ciência alerta a sociedade há décadas. Preste atenção: mais de 80% dos cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC, projetam um aquecimento global de pelo menos 2,5º C, de acordo com pesquisa do The Guardian. O cenário é semidistópico. Isso significa fome, conflitos e migrações em massa. Tudo pode piorar muito pela inação e pela falta de vontade política e pela preponderância de interesses corporativos, inimigos das medidas urgentíssimas para mitigar, atenuar ou adaptar as cidades para aquilo que ainda sofrerão.

Enquanto isso, o que dizer de países que, como o Brasil, assinam o Acordo de Paris, prometendo limitar o aquecimento global a 1,5ºC e proteger e regenerar a biodiversidade? O que se vê é o desmatamento atroz, o corte generalizado de árvores, o asfaltamento ou impermeabilização com cimento ou concreto de todos os espaços subtraídos, cruelmente, à terra que absorve a água.

O desaparecimento de árvores contribui para criar nas cidades as ondas de calor. E é constatável que, a cada onda de calor, a internação de pessoas com problemas cardiovasculares, agravamento de diabetes, picos de pressão e outros sintomas, aumenta consideravelmente.

O Brasil que já foi promissora potência verde e preferiu ser “pária ambiental”, disputa sediar a COP30 em 2025. Em completo despreparo físico e mental para hospedar os milhares de participantes. Físico, pois Belém não é a cidade capaz de acolher, de maneira confortável e digna, mais de duzentos chefes de Estado. Mental, porque permite que prossiga no Parlamento o “Pacote da Maldade”, com mais de vinte e cinco projetos e três PECs que, entre outros absurdos, propõem anistia para desmatadores, redução da reserva legal, fragilização da fiscalização ambiental, facilitação para a grilagem de terra e licenciamento autodeclaratório, o que é uma fonte de falsidades, considerado o caráter do brasileiro.

Infelizmente, associa-se a defesa do ambiente à esquerda. O epíteto “comunista” é o que mais se ouve na fala dos radicais de extrema direita. Os dois extremos são nocivos. Mais do que isso: são nefastos. Como dizia Mikhail Gorbatchev quando veio ao Brasil para a COP do Rio, em 1992, não é a Terra que corre perigo. Ela vai continuar a existir. Mas, para isso, prescindirá desta espécie que se autointitula racional, mas que age como se tivesse escolhido o suicídio como termo final de sua experiência pelo sofrido e maltratado pequeno planeta em que nascemos.

Não foi surpresa a tragédia do Sul. Nem será surpresa aquelas que sucederão. Até quando continuaremos sem juízo?

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)