17 de dezembro de 2024
RECEITA DA SONIA

Pirão e peixe

Por Sonia Machiavelli | Especial para a Sampi
| Tempo de leitura: 3 min

Ingredientes

Quando se fala em comidas genuínas, o pirão talvez seja o exemplo mais perfeito em se tratando de culinária brasileira. Ele é herança indígena e, transcorridos cinco séculos de sua apresentação aos portugueses, mantém-se quase idêntico ao original. O advérbio se justifica porque ao longo do tempo fomos acrescentando temperos que não existiam na cuia primeva. Nada de sal, azeite, ervas; talvez pimenta houvesse em algumas tribos. No geral, o peixe eviscerado era cozido inteiro e ao seu caldo fervente juntavam-se punhados de farinha de mandioca que o engrossavam. Transformava-se aquilo numa sopa com caldo grosso chamado de pirão.

Conforme se estendeu o contato com os ditos civilizados, o pirão foi se aculturando, adquirindo um jeito levemente diferente, com acréscimo de sal, ervas aromáticas, alguns legumes e algo para colorir, como o urucum que avermelhava ou o açafrão-da-terra que amarelava. O uso da panela de barro conferiu à iguaria a possibilidade de se manter quente por longo tempo à mesa ou num canto do fogão.

Para fazer um pirão legítimo, o certo é cozinhar a cabeça do peixe e depois coar o caldo a ser temperado e engrossado. Isso nem sempre é fácil para nós que moramos distante do litoral. Os peixes que nos chegam já vêm congelados e sem cabeça, pois esta parte é bastante perecível. Mas é possível fazer um bom pirão com o caldo de postas ou mesmo de filés, que é o caso da receita que trago hoje para os leitores. Usei filés de tilápia, por serem os mais comuns em nossas peixarias. Mas pode ser outro peixe de carne branca e cortado em postas.

Comece por descongelar o peixe. Escorra algum possível líquido e corte cada filé ao meio, na largura. Enxugue com papel-toalha, tempere com sal, limão e pimenta-do-reino. Deixe descansar na geladeira por meia hora. Enquanto isso, pique bem fininha a cebola em plumas e refogue-a no azeite, que pode ser o de dendê ou o doce (ao qual denominamos por aqui de oliva). Corte os tomates em rodelas finas e acrescente ao refogado de cebola, mexendo de leve. Polvilhe a farinha de trigo, mexa e regue com duas xícaras de água quente onde tenha sido dissolvido o açafrão. Se não encontrar o italiano, use o goiano, que tem excelente sabor e linda cor, além de custar um décimo do preço. Deixe ferver em fogo brando até a cebola ficar amarela e acrescente então os filés de peixe. Cozinhe por dez minutos em fogo brando e agregue a cebolinha e o coentro. Se não gostar dessa erva especial nos pratos de peixe, troque-a por salsinha. Desligue a chama. Retire com concha parte do caldo do ensopado e leve ao fogo para ferver numa panelinha. Se for necessário, acrescente mais sal. Misture a farinha de mandioca dissolvida em uma xícara de água. Mexa rapidamente para não empelotar. Sirva o peixe com o pirão e arroz branco. É um banquete.

PS: O açafrão-da-terra também é conhecido por cúrcuma. Possui um rizoma subterrâneo e é da mesma família do gengibre. Já o açafrão original é proveniente dos estigmas de flores da crocus sativus. São duas plantas distintas, mas com cores bastante parecidas, gosto quase igual e propriedades medicinais semelhantes.

Sonia Machiavelli é professora, jornalista, escritora; membro da Academia Francana de Letras