16 de julho de 2024
OPINIÃO

O cidadão e sua cidade


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A Constituição de 1988 foi pródiga na enunciação dos direitos e módica na explicitação dos deveres. Exacerbou a tendência humana de exigir respeito, o que é legítimo. Porém, ausente qualquer ideia de contraprestação.

Nos cursos jurídicos, aprende-se que a cada direito corresponde uma obrigação. No discurso rotineiro, só existem direitos e a exigência de que eles sejam atendidos pelo Poder Público. E o mais próximo de qualquer pessoa é o municipal. O Prefeito é aquela autoridade com quem o munícipe tem condições de se encontrar e colocar "o dedo na cara". Isso não acontece com o governador e com o Presidente, em regra mais distantes e imunes a tais abordagens.

Mas a cidadania, em regra, não colabora para que sua cidade seja um exemplo de sustentabilidade, de acolhimento, de inclusão e resiliência. Em plena emergência climática, o aquecimento global levando preciosas vidas em todo o planeta, inclusive no Brasil e a conduta permanece a mesma. Como se nada estivesse a acontecer.

Sabemos quais são os três maiores vilões das mudanças climáticas: os combustíveis fósseis, a eletricidade estacionária e os resíduos sólidos. Deixemos de lado os dois primeiros, porque a bizarra competência brasileira concentra na União todos os poderes. Mas a questão dos resíduos sólidos é essencialmente municipal.

Em países civilizados, praticamente não existe "lixo". Tudo é reciclado. Tudo passa pela economia circular e pela logística reversa. E o povo é educado a não tornar suas ruas a imundície que impera em ruas brasileiras.

Não faz sentido que o povo, embora deseducado e sem consciência ambiental, pague pela varrição das ruas e pela coleta dos resíduos sólidos. Mas é o que acontece. Fortunas dispendidas anualmente e que poderiam ter melhor destinação: saúde, educação, moradia, transporte, equipamentos de lazer.

Em todas as cidades acontece o mesmo. Garrafas pet, papelão, latinhas, sofás quebrados, colchões velhos, carcaças de geladeira e toda espécie de descarte fica nas ruas ou, pior do que isso, é arremessado nos cursos d'água que já foram rios. Hoje, canalizados, são condutores de sujeira e de veneno. Não há vida neles.

O resultado dessa falta de educação é a obstrução na rede de esgoto, pelo mau uso da tubulação. Resíduos sólidos são encontrados nas estações de tratamento de esgoto e nas estações produtoras de água de reuso. Se a população colaborasse, tudo se destinaria ao material orgânico, suscetível de aproveitamento e que vai se converter em fertilizante, depois de passar pela compostagem. Ou iria para a reciclagem, uma indústria que sustenta milhares de pessoas em todo o mundo.

Por sinal que a reciclagem teve início no Brasil, não por consciência ecológica. Mas pela miséria dos catadores, esses heróis que limpam a cidade de tudo o que nós fazemos para emporcalhá-la.

O que dizer dos restos de construção civil, madeira aproveitável, objetos eletroeletrônicos e outros bens que a ignorância desperdiça?

Um atestado de desenvolvimento tardio - o chamado subdesenvolvimento - é o volume de dejetos que chega aos equipamentos de abastecimento de água. E a presença de "lixões", de "desmanches" e de "ferros-velhos". São meras lendas no mundo moderno, em países adiantados. Aqui entre nós, ainda são fantasmas, pesadelos, personagens que nos lembram o quanto falta para alcançarmos nível satisfatório e que não nos envergonhe, no cotejo com outros povos.

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)