Parte 2
Acho que estou ficando besta. Dando muita importância pra essa história. Mas e se eu fosse até o apartamento dela? Inventasse alguma desculpa, sobre o funcionamento da antena comunitária ou qualquer outro assunto. Se fosse no século passado, bateria na porta pra pedir açúcar emprestado, mas hoje essa desculpa, além de clichê, não cola mais. O prédio tem a lojinha própria.
Inclusive a dona Maura reclamou na reunião, se levantou interrompendo o síndico e falou que é um desrespeito com os moradores, que os produtos estão sempre vencidos e ninguém toma uma atitude. Nem prestei atenção, quando mais ela esbravejava, mais o cheiro de alfazema tomava conta do ambiente.
E não é que acabei criando coragem? Nem acreditei, mas agora o dedo já apertou a campainha, não tem mais volta. Toquei e ninguém saiu. Achei melhor não tocar novamente. Respirei aliviado, melhor deixar isso pra lá.
— O que é melhor deixar pra lá? Perguntou ela.
"Droga, pensei em voz alta. E agora?"
— Oi, tudo bem? Sou o morador e tem uns dois dias que não tenho sinal da antena de tevê. Resolvi perguntar se você está tendo esse problema também.
— Mas você mora neste bloco? Nunca te vi aqui.
"Acho que não colou, o que eu faço?"
— Eu moro no da frente, mas bati em umas duas portas e não saiu ninguém.
Ela começou a olhar pro vão da escada, franziu a testa e começou a entrelaçar os dedos rapidamente. Será se me achou algum tarado ao algo assim? Eu pensaria!
Se encaminhou até a porta e pareceu nem se importar com o que eu havia dito. Como se tivesse lembrado que deixou leite no fogo ou algo assim.
— Não assisto a canais de tevê, apenas Netflix e Youtube, tente ver com algum outro vizinho, agora se me der licença preciso entrar.
"Não vim até aqui pra voltar sem tentar nada."
— Escuta, a verdade é que vim aqui porque tenho te observado há alguns dias e queria saber se...
— Então foi você que me seguiu na semana passada? Disse ela com um sorriso se formando em seus lábios.
— Não exatamente, é que...
— Não tem problema. Eu gostei. O que acha de passar aqui amanhã de manhã?
Disse e já entrou no apartamento.
Fiquei igual um idiota olhando pra aquela porta e pensando se talvez ela tivesse do outro lado me encarando pelo olho mágico.
No outro dia claro que fui. Nem era meu dia de home office, mas troquei com o Marcão. Não é todo dia que a vizinha te dá mole assim.
Toquei a campainha e nada, de novo e já comecei a sentir uma gota de suor descer pelas costas, trazendo consigo o arrependimento.
Foi quando a porta se abriu.
— Oi, você que é o vizinho que gostou do carro?
Era um rapaz alto, musculoso e com cara de poucos amigos. Ele tinha a mesma tatuagem da cobra espremedora de corações. Será se é alguma tattoo de casal?
— A Brenda me disse que você está interessado. Vamos lá que vou te mostrar. Está filé e não se preocupe com a Minnie no teto, eu vou tirar. Falei pra não colocar, mas ela usa o carro mais do que eu e queria deixar com a cara dela.
Acabei comprando, não tinha como sair dessa. Vão ser três anos pagando essa merda. Trinta e seis malditas prestações.
Jefferson Ribeiro é autor e cronista (jeffribeiroescritor@gmail.com)