16 de julho de 2024
OPINIÃO

Elas não podiam morrer


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O dia das mães sugere reflexão dedicada a tais seres. São aqueles que mais nos ensinam a conceber o que é Deus. Esse espírito perfeitíssimo, eterno Criador do céu e da terra torna-se tangível, na consciência infantil, quando o comparamos à mãe. A detentora do amor infinito. Por isso é comum dizer-se "Deus é mãe!".

Quanto já se escreveu sobre a maternidade e sobre a mulher que ajuda na continuidade da criação, a cocriadora, ao lado do Todo Poderoso.

Em idade provecta, já escrevi sobre as mães. As mães heroínas, as mães que enterraram seus filhos, as mães enfermas, as mães dos encarcerados, as mães dos infratores, as mães dos deficientes, as mães dos portadores de necessidades especiais. As mães escravas, as mães operárias, as mães esquecidas, as mães maltratadas, as mães que passam fome. As mães que são obrigadas a deixar seus filhos e aquelas que se veem forçadas a fazer escolhas, como o triste livro e filme "A escolha de Sofia".

Mas neste dia das mães de 2024, vou falar sobre a mãe que eu conheço. A minha. Benedicta Barbosa Nalini faleceu em 17 de novembro de 2005. Fará dezenove anos, em novembro, que ela partiu. Mas não há dia em que não me veja conversando com ela. Imaginando o que ela diria, diante de tantas situações enfrentadas por seus filhos. Adivinho, sem muita dificuldade, qual o conselho que sairia de sua sabedoria.

À minha mãe devo tudo. Foi ela que me estimulou a ler e a escrever. Na primeira semana do Curso Primário, na Escola Paroquial Francisco Telles, ela viu a minha lição de casa feita a lápis. Havia errado algumas palavras e, ao apagá-las, o resultado não foi aquele por ela esperado. Arrancou a página do meu caderno e me obrigou a refazer o dever. Aprendi. Caprichei mais. Tomei cuidado.

A cada mês, quando voltava com o boletim de notas, aplicação e comportamento, se a avaliação escolar satisfizesse suas expectativas, presenteava-me com um pequeno livro da Melhoramentos, com histórias edificantes. Lia comigo. Pedia que depois eu tentasse reconstituir o texto.

E assim foi enquanto viveu. Respeitava suas mestras. Falava delas com carinho. Admirava o magistério. Foi por causa disso que aceitei renunciar a cinco anos de Magistratura para assumir a desafiadora Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.

Nunca teria conseguido agradecê-la por tudo o que fez por sua família. Por mim e por meus irmãos e por meu pai, com quem viveu tantos anos, solícita, companheira e cúmplice. Sua morte foi um golpe do qual não me recuperei. Já havia sofrido perdas. Meu irmão João René morreu em 1989. De tristeza, meu pai não sobreviveu muito. Foi-se em janeiro de 1992. Mas à volta dos enterros, teu tinha um colo para chorar. Quando ela se foi, fiquei sem colo. Descobri que orfandade não tem idade.

Estes dias reli o poema "Para sempre", do grande Carlos Drummond de Andrade. Ele conseguiu exprimir aquilo que os órfãos sentem, mas nem todos os órfãos são poetas: "Por que Deus permite/que as mães vão-se embora! / Mãe não tem limite,/ é tempo sem hora, / luz que não apaga/ quando sopra o vento/ e chuva desaba, / veludo escondido/ na pele enrugada, / água pura, ar puro/ puro pensamento. / Morrer acontece / com o que é breve e passa/ sem deixar vestígio. / Mãe, na sua graça, / é eternidade. / Por que Deus se lembra/ - Mistério profundo - / de tirá-la um dia? / Fosse eu Rei do Mundo, / baixava uma lei: / Mãe não morre nunca,/ mãe ficará sempre/ junto de seu filho/ e ele, velho embora/ será pequenino/ feito grão de milho".

Feliz dia das mães, para todas elas, vivas ou mortas. Elas só morrem, na verdade, quando nos esquecemos delas!

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)