Dia, mês e ano não me lembro bem. Mas era década de 50, finalzinho dela. Isso tenho certeza! A outra certeza é que era domingo. A missa das 7h30 na Vila Arens tinha terminado naquele instante e eu desci as escadas da igreja com meu pai, rumo ao coreto da praça. O dia não estava tão quente, mas me lembro do meu terno azul-marinho de calça curta (naquele tempo criança usava calça curta!) e gravata borboleta.
O número de pessoas era grande, pois estava quase na hora da banda começar a tocar. Num segundo, me livrei das mãos grossas e calejadas de meu pai e me misturei entre as pessoas. Queria ver a banda mais de perto e os instrumentos me chamaram a atenção.
"Qual é o seu nome?" Quando ouvi a frase, me voltei para ver quem era e a vi se afastando, subindo a escada, como que indo embora. Respirei fundo, desabotoei o paletó e fui atrás. Era uma menina com a mesma idade que eu - imagino, nove anos - cabelos loiros, compridos em forma de trança, vestido branco, meia branca três-quartos, imagino que de Primeira Comunhão, como meu terno e um sapatinho preto nos pés.
Do alto da escada ela olhou para trás, para ver onde eu estava. Percebi seu sorriso, quando viu que eu a seguia. Lembro que, quando cheguei no alto da escada, ela fez a curva, para cruzar a frente da igreja, diante do local onde, mais tarde, seria construída uma gruta — e derrubada não faz muito tempo porque os engenheiros achavam que havia infiltração de água e que poderia prejudicar o prédio da Matriz.
Quando ela desapareceu de minha vista, acelerei o passo, comecei a correr. Quando fiz a curva, lá estava ela, no alto da escadaria, na porta da igreja, me olhando... Tomei fôlego, passei as costas da mão na boca e tentei subir a escadaria.
Tentei, mas naquele instante senti uma mão grossa e calejada segurar a minha. "Onde vai, menino?" perguntou ele. Quando olhei para a porta da igreja, a menina havia desaparecido. Sorri para meu pai e perguntei onde estava o pipoqueiro. "Perto do coreto", respondeu. Voltamos e acompanhei o espetáculo até o fim. Não me lembro de uma música tocada. Não que a banda não fosse boa, pois meu pai dizia que era a melhor de Jundiaí, mas é que meus ouvidos, meu coração e meu ser estavam com a menina de vestido branco.
A banda tocava e meus olhos circulavam pelo local à procura dela. Quando tudo terminou e meu pai, mais uma vez, colocou sua mão calejada junto da minha, deixamos o local rumo à nossa casa.
Foi um domingo inesquecível, tanto que mais de 50 anos depois ainda tenho limpo e claro em minha mente. O detalhe mais importante deste dia foi que, ao me afastar do local e chegar perto de onde surgiria a gruta, olhei em direção ao coreto e lá estava ela: com seu vestido branco, cabelos lindos em forma de trança, me olhando, acenando, sorrindo para mim. Quis me livrar das mãos calejadas, mas elas eram mais fortes do que eu e não consegui. Quis chorar e não consegui, quis fugir e não tive forças. Desapareci na curva para os olhos dela! E os meus nunca mais a viram.
Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)