21 de dezembro de 2024
OPINIÃO

'Mas a galinha da macumba'

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Essa frase foi tirada do contexto da sustentação oral formulada pelo Dr. Hédio Silva Junior ao defender a utilização de animais em rituais religiosos, praticados por religiões de matrizes africanas e em outros segmentos religiosos. Mas o foco sustentado pelo respeitadíssimo jurista era a também a juventude negra, argumentando que estava observando os trajes dos antecessores calçando sapatos de couro, usando bolsas com mesmo material, se fartando em churrascarias, e estranhamente se postam contra prática ritualística causando espécie sobremaneira. Pois que, segundo ele, "jovens negros são chacinados como cães em bairros periféricos no Brasil (recomendo assistir esse vídeo no seguinte endereço https://www.youtube.com/watch?v=XZQegsiIDgY).

Em mesma oportunidade, sustentou a mesma prática pelos muçulmanos, por judeus, entre outros, e não se verifica tanta comoção social no abate halal; no abate judaico (Kaparot), kasher, todavia criticam fervorosamente contra o abate praticado por segmento africano, configurando que se trata de racismo religioso.

Bem verdade, pois que de mesmo modo apareceu pessoa alegando que o fenômeno atmosférico experimentado no Rio Grande do Sul assim teria ocorrido pelo Estado contar com muitos terreiros, segundo a pessoa, "de macumba".

Interessante notar que ocorrência desse mesmo fenômeno em São Sebastião, Rio de Janeiro, Santa Catarina, no Japão, na Itália, na Argentina, em New Orleans etc., por qual razão não sobrevêm alegações de que decorrem de prática religiosa, confirmando a maldade e ofensa de cunho eminentemente racial.

Independente disso, o que chama bastante a atenção é o genocídio de juventude negra, deixando transparecer, como disse o Dr. Hédio, é "assim que as coisas de preto são tratadas".

Lamentavelmente tais comportamentos assim são tratados e em todos os espaços, quer na educação, quer no mercado de trabalho, quer na saúde, no judiciário, no legislativo e executivo, na exata medida em que a igualdade e conforme vem juridicamente proposto, "paridade de armas" e equidade (equidade está diretamente relacionada a segurança jurídica de recepção de tratamento sem qualquer distinção), porém verificamos no cotidiano a brutal diferença na saúde, onde, por exemplo as mulher negra recebe dosagem menor de anestesia que a mulher branca quando dos partos; no judiciário um homem branco e um negro cometem delitos, igualmente iguais, presos pelo mesmo delegado, denunciados pelo mesmo promotor e julgado pelo mesmo juiz, o homem negro recebe a pena mais severa que o branco; no mercado de trabalho quantos talentos se perdem pela não inclusão e por ai vai.

Já tive a oportunidade de escrever aqui, que o Brasil confessa praticas racistas e desiguais, bastando simples leitura ao que estabelece o art. 3º da Constituição Federal. Nessa linha o Conselho Nacional de Justiça baixou Resolução no mês de março/23, tornando obrigatória, junto as escolas da magistratura, a "capacitação" de juízes e juízas a formação inicial e continuada que incluam conteúdos relativos aos direitos humanos, gênero, raça e etnia.

Se esses "problemas" não existissem certamente não haveria necessidade dessas determinações.

Nessa mesma vertente, deparamos com resultados de altíssimo valor a partir da criação e oferta de cotas raciais, quer na educação, quer no mercado de trabalho, sendo certo que, invariavelmente a produção, entrega e fiscalização de políticas públicas, se verificam com muita segurança, em vista do merecido tratamento e respeito à diversidade.

Costumo dizer que além da pratica da empatia, é fundamental estarmos mais próximos da realidade, pois sem isso, é impossível avaliar qualquer situação e tomo como exemplo, as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência, se sequer, empunharam uma cadeira de rodas. Eu passei por essa experiência e jamais imaginei o quanto a acessibilidade é importante e de respeito a dignidade da pessoa humana.

Nessa trilha, àquelas pessoas que alegam que não existe desigualdade, ao propor que passem alguns dias no lugar das pessoas negras, o silencio é sepulcral.

Eginaldo Honorio é advogado, doutor Honoris Causa e conselheiro estadual da OAB/SP (eginaldo.honorio@gmail.com)