16 de julho de 2024
OPINIÃO

A espinha dorsal da cristandade


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Ainda quem não seja católico se impressiona com o Papado, com sua tradição histórica. Infunde respeito essa instituição considerada a espinha dorsal da cristandade. Quem visita Roma não deixa de se extasiar diante da quádrupla colunata de Bernini e, quando pode, assiste à benção do Pontífice, solenidade que atrai milhares de pessoas a cada domingo.

É raro conhecer um Sumo Pontífice. Ocasião reservada a chefes de Estado ou a poucos privilegiados. Tive oportunidade de estar próximo a Paulo VI, na primeira vez em que fui à Itália, com Francisco Vicente Rossi, sobrinho de Dom Agnelo, que nos ciceroneou em 1975/1976.

A figura circunspecta, distante do bonachão e conciliar João XXIII, quando falava, lembrava meu nono Jacinto. Colocava "ecco" a cada pequeno grupo de palavras. Esse "ecco" desaparecia do "L'Osservatore Romano", órgão oficial do Vaticano, quando a fala era reproduzida.

Não estive com João Paulo II, hoje santo. Mas, na companhia de Ives Gandra da Silva Martins e Crodowaldo Pavan, entreguei a Bento XVI o título de "Acadêmico Honorário da Academia Paulista de Letras", quando ele visitou São Paulo. Um homem extremamente simpático. Segurava nossas mãos com as dele e repetia, seguidas vezes, "Ma che honore!".

Também cheguei a cumprimentar o Papa Francisco em Aparecida, agora na condição de Secretário da Educação e acompanhando o Governador Geraldo Alckmin.

Tudo isso me veio à mente quando, ao reler "Minhas Memórias dos Outros", de Rodrigo Octávio, conta haver conhecido, em visita ao Vaticano, um padre jovem, inteligente e vivo, que o acompanhou quando conheceu o Museu da Igreja. No cartão de visita então trocado entre eles, se lia: "Monsenhor Eugenio Pacceli. Minutante de la Segretaria d'Estado. Professore de Diplomacia nella Academia dei Nobili Ecclesiastici".

Esse Monsenhor se tornou Cardeal e Secretário de Estado no Vaticano. Em 1934 visitou o Rio de Janeiro, embora de passagem, como Legado Papal às solenidades do Congresso Eucarístico realizado em Buenos Aires. Rodrigo Octávio esteve com ele e mostrou o cartão de visitas e uma carta em que agradecia um livro sobre direito internacional, de autoria do brasileiro. O Cardeal Pacelli, com ar de mansidão: - "Porque guardou isto? São coisas sem valor algum; o que deve fazer, chegando à casa, é queimar este papeis!".

Rodrigo Octávio respondeu: - "Não farei isso. Guardarei sempre esses documentos que, espero, me servirão de chave para entrar no céu!".

Sabemos que Eugênio Pacelli se tornou o Papa Pio XII, que faleceu em 1958 e que viveu uma terrível época de segundo grande conflito mundial, a era do Holocausto e de outras misérias. Sucederam-no João XXIII, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II, Bento XVI e Francisco.

Hoje pontifica o argentino Jorge Bergoglio, o Francisco ecológico, o amigo da natureza, aquele que entendeu, como o fizera o "homem do milênio", cujo nome adotou, que sem proteção ao ambiente, não haverá lugar para os humanos neste sofrido planeta.

A leitura da Encíclica "Laudato Si" deveria ser obrigatória para todos os detentores de autoridade e de poder, pois a Terra emitiu inúmeros sinais de socorro e a humanidade parece não tê-los captado. A continuar assim, ter-se-á a certeza de que os racionais optaram pelo suicídio coletivo como forma de encerrarem, melancolicamente, a aventura humana e sua peregrinação terrena.

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)