22 de dezembro de 2024
OPINIÃO

Pena de ouro!


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Passava pela adolescência quando o Brasil viveu a revolução de 1964 e, parecia, tudo ia melhorar... Dizia-se que tínhamos que ser patriotas e ajudar o país a sair da situação difícil em que se encontrava. Via-se soldados de prontidão nos quartéis ou com seus veículos oficiais circulando pelas cidades. Dizia-se que a democracia vinha para ficar. Jango deposto, Castelo Branco assumindo e o país mudando de cara... Para quem nunca tinha ouvido falar em política ou discutido o assunto, parecia tudo novidade, mas a intenção, então, era se inteirar do que estava acontecendo. Claro que o país passou pelo que passou, convivemos durante mais de 20 anos de ditadura militar, a democracia, enfim, retomou seu lugar, mas me lembro de um fato que marcou o ano em que a revolução começou. Rádio, jornal e a televisão, que ainda não tinha tomado conta do país, começaram a abordar o assunto: era fundamental salvar o Brasil! A imprensa dizia que a dívida externa tinha deixado o Brasil à beira da falência e que, como patriotas, tínhamos que mudar esta situação! E veio a campanha "Dê ouro para o bem do Brasil!" E a população saiu às ruas disposta a colaborar. Casais doavam suas alianças de casamento para ajudar, moças doavam pulseiras e correntes, enfim qualquer pedaço de ouro ajudava a salvar o Brasil. Quem participava, ganhava um anel de metal, onde estava grafada a frase "Dei ouro para o bem do Brasil". Revirei minhas coisas para ver se tinha algo de ouro para participar da campanha. Também queria ajudar meu país. E na minha busca, encontrei uma pena de ouro que tinha sido usada nos primeiros anos do primário, depois de usar caneta de pau. Para quem não sabe, escrevíamos apenas a lápis e não podia haver erros: apagávamos com as borrachas até "pegar prática" de escrever, e depois começávamos a usar caneta de pau. Levávamos tinteiro à escola e sempre fazíamos a maior sujeira, mas existia o mata borrão que ajudava a limpar a tinta que sujava os cadernos. Mas não tinha mata borrão que salvasse quando o tinteiro caía e derramava tinta no uniforme... E depois da caneta de pau, começamos a usar caneta tinteiro e este não podia ir à escola. Exatamente para evitar a sujeira... Caneta saía de casa com a carga cheia e problema resolvido. Mas as penas não eram eternas e, na hora de escrever, de forçar no papel, era comum elas estourarem a ponta e não tinha mais como escrever, pois a letra ganhava dupla imagem, parecendo ao leitor que estava com a vista embaçada. E o destino da pena era o lixo. Não me lembro a origem desta pena de ouro, talvez tenha sido usada por meus irmãos mais velhos, ante de chegar às minhas mãos e fui responsável por seu fim de vida. Mas ela estava lá, guardadinha: a pena de ouro que tinha sido usada na caneta Parker. E a levei ao ponto de recolhimento das peças de ouro: no Solar do Barão, no Centro da cidade. Uma enorme balança registrava o peso de cada peça de ouro colocada no cofre. Claro que a pena de ouro não fez o ponteiro da balança se mexer, mas o anel de metal, colocado em meu dedo foi motivo de minha satisfação de ter ajudado o Brasil naquela ocasião. Claro que o total arrecadado nunca foi corretamente divulgado. Claro também que as doações não foram suficientes para reduzir a dívida do Brasil, pois ela crescia para todo mundo ver. Não tenho ideia, hoje, de onde aquele anel foi parar, nem sei se alguém ainda tem um parecido, guardado pela benfeitoria feita, mas sinto saudade da pena de ouro, cujo destino poderia ter sido outro...

Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)