Estamos nos aproximando de mais um ano da abolição da escravidão no Brasil que, há muito, não se comemora com festividades, mas enquanto momento de reflexão profunda sobre tanta maldade!
A mídia, em linhas gerais, trata com bastante propriedade a recente manifestação do presidente de Portugal Marcelo Rebelo de Sousa, ao reconhecer a culpa de seu país pela escravidão e massacre dos indígenas no Brasil, sugerindo, inclusive, medidas de reparação.
É de conhecimento geral o estrago causado em decorrência da escravidão com reflexos até os dias atuais e, a todo momento, normalmente, aparecem manifestações de que se trata de "mimimi" e que a tão falada desigualdade não existe.
É incrível a desfaçatez de muitas pessoas sustentando que somos todos iguais em direitos e obrigações, na exata definição da ordem constitucional.
Sim, encontramos na Constituição Federal preceito ideal assegurando: "Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, a igualdade, à segurança e à propriedade", seguindo dispositivos específicos dispondo sobre a igualdade racial, igualdade de gênero, de credo religioso, igualdade trabalhista, tributária, política e etc.
Ao promovermos a leitura desses comandos sobrevém a impressão de que vivemos em um ambiente mais que ideal, perfeito e exemplar. "Só que não, né", como dizem os mais jovens.
Com efeito, a todo momento e em todos os lugares, verificamos, sem muito esforço, que essa igualdade efetivamente não existe, tanto que uma das formas de buscar esse importante direito é a imposição do regime de cotas, sejam de gênero, racial, idade, orientação sexual, pessoas com deficiência e por aí vai.
O distanciamento dessas pessoas em postos de mando e importantes impede a redução dessas desigualdades, vez que esses personagens não são vistos e por não serem vistos não são logicamente lembrados porque se parte de um espaço exclusivo onde só os iguais se fazem presentes.
Vale também somar a não prática da empatia (empatia significa: "sentir o que ela sente; se colocar no lugar"). Se não nos colocarmos no lugar da outra pessoa, jamais saberemos o que é ser! Enquanto nos mantivermos a quilômetros de distância jamais saberemos o que é ser. Infelizmente o distanciamento e sua manutenção se verificam desde os primeiros momentos da vida escolar, posto que, em grande medida, os valores das pessoas não são tratados com igualdade. Bem ao contrário, a exemplo do odioso e desumano processo de escravidão, a ponto de o presidente de Portugal assumir a responsabilidade de seu país nessa pratica.
É certo e inimaginável medidas compensatórias financeiras, estimando-se que uma das formas é a implementação de políticas públicas visando a redução dos efeitos decorrentes do processo de escravidão.
É também certo que esse sonho só será alcançado a longo prazo, pois a formação das pessoas, por mais próximas e contrárias a escravidão, está muito longe da realidade e, na medida em que se aprofundam no tema, se depararão com condutas racistas e, diante disso, no mais das vezes, preferem a omissão a assumir essa realidade!
Retomando o posicionamento do presidente português, não se exige muito esforço da repercussão que esse manifesto trará, porque, como sabemos, são raros os casos de assunção de posturas desumanas ao longo dos tempos.
Nessa mesma caminhada, uma das medidas de alta relevância e importância é a revisão de todo material didático-pedagógico, passando, obviamente, pela formação continuada e obrigatória de toda a classe de professores sobre o tema e, em paralelo, de difusão de temas combatendo a prática discriminatória contra as vitimas da escravidão em todos os ambientes, quer sociais, quer no mercado de trabalho, na ciência, na literatura, na saúde, na segurança pública, no Judiciário, Legislativo e Executivo, justificando o tempo para entrega dessas políticas.
Fechando: vale homenagear o presidente português pela coragem.
Eginaldo Honorio é advogado, doutor Honoris Causa e conselheiro estadual da OAB/SP (eginaldo.honorio@gmail.com)