21 de dezembro de 2024
OPINIÃO

Nos tempos do Samdu


| Tempo de leitura: 3 min

Se a Guarda Municipal tinha o carro 13, preto, e que assustava as crianças quando circulava pela cidade, a ambulância do Samdu era exatamente o oposto: branca e alegre. Apesar de as crianças não imaginarem que, dentro dela, poderia estar alguém correndo risco de morte. Mas ouvir a sirene ligada, percorrendo ruas onde a maioria dos veículos eram carroças ou bicicletas, era algo diferente. Se fosse o 13, a garotada corria para casa. E isso ninguém sabia explicar o porquê...e só voltava para a rua quando o veículo já tivesse feito a curva no final do quarteirão. Mas se fosse o Samdu, a gente corria, tentando acompanhar e saber onde ia. E depois avisava a mãe que tinha alguém doente por perto.

O que me deixava intrigado era o nome, pintado em vermelho na ambulância branca: Samdu. Queria saber porque havia o "m" antes do "d" se dona Benedita, primeira mestra, já dissera que a letra "m" só aparecia antes de "p" e "b". Se a letra fosse outra, o que viria antes seria o "n". E era meu irmão mais velho, Ademir, que me explicava que este caso era exceção, já que Samdu era uma sigla.

E, pacientemente, me explicava o que significava a palavra. Eram as iniciais de Serviço de Assistência Médica Domiciliar de Urgência, no caso, o Samdu. E a ambulância percorria toda a cidade. E sempre com um médico visitando o doente em casa.

A sede do Samdu, em Jundiaí, era na rua Major Sucupira, próximo ao quartel da 2ª Companhia de Comunicações. Apesar de ter descoberto isso nos últimos dias do Samdu na cidade; também em minha casa, o médico deste serviço apareceu.

Foi entre os anos de 1957-58, se minha memória não está me traindo neste momento. É que nestes anos corriam boatos de que um epidemia de gripe assolava Jundiaí. Era a gripe asiática que eu, como todas as crianças, não tinha a dimensão da gravidade da mesma.

E era só um resfriado qualquer aparecer em alguém da família que lá vinha a ambulância do Samdu... Em casa, acabei ficando com gripe, juntamente com meu irmão Osmar que, na época, tinha apenas 4 anos e eu chegava aos 7. O meu caso era mais simples, mas Osmar acabou sendo levado pelo médico ao hospital para tomar soro, pois ficara muito fraco por não conseguir se alimentar. E ele foi o único de casa a passear na ambulância branca do Samdu. Ah sim, claro! Junto com dona Angelina, nossa mãe, que jamais abandonaria um filho num veículo desconhecido. Mas nada de gripe asiática. Quando o médico disse que ela não tinha chegado a Jundiaí, confesso que fiquei frustrado. Talvez porque seria importante dizer um dia que "eu tive gripe asiática..." Principalmente sabendo que ela tinha matado mais de um milhão de pessoas em todo o mundo.

E o Samdu se foi, desapareceu. Assim como o carro 13 da Guarda Municipal, que a gente queria saber onde estavam os outros 12, já que só um aparecia.

Mas lembranças da infância são assim: coisas que não desaparecem, que se transformam em estrelas e que brilham nas noites de nossa memória. Mesmo que seja uma simples ambulância branca fazendo uóóóóóóóóóóóó para curiosidade da garotada...

Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)