21 de novembro de 2024
OPINIÃO

O que se pretende?


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Repete-se qual mantra, mas parece que isso não comove as consciências empedernidas e até necrosadas. A mudança climática é a maior ameaça que recai sobre a humanidade. Comprovado que é a atividade humana a causadora do aquecimento global, este já mostrou sua cara. Fenômenos extremos se intensificam e recrudescem. Precipitações pluviométricas incríveis; secas que tornam o Pantanal um deserto; enchentes, inundações, deslizamentos de terra.

Resultado: mortes e redução drástica da qualidade de vida. Custos multiplicados no atendimento às vítimas, elevação dos gastos no sistema de saúde. Redução da capacidade produtiva do agronegócio. É uma coleção de consequências danosas e, mesmo assim, as práticas deletérias continuam.

Pense-se na edificação desenfreada que caracteriza a super-urbanização de todas as cidades. A construção civil é uma indústria que movimenta a economia. Gera empregos. É o elo inicia de uma cadeia interminável: aquisição da parcela de solo; tijolos, cimento e ferro; ladrilhos, lajotas, porcelanato; vidro. Em seguida, mobiliário. Paisagismo.

Neste ponto a interrogação: de que paisagismo se fala?

Os edifícios de apartamentos não deixam qualquer espaço para o verde. O concreto do piso de um prédio se encontra com o concreto do piso do vizinho. Essa impermeabilização do solo é geradora de problemas que são conhecidos. A água não tem por onde escoar e se torna potente com essa pseudocanalização. Ganha violência. Tem de sair por algum lugar e forma enxurradas que uma pessoa não consegue atravessar.

Os loteamentos são feitos como se faltasse terra, num país continental que poderia reservar espaços vitais para abrigar cobertura vegetal. Uma casa grudada à outra. São construções caras, até de luxo, mas sem uma árvore, sem um jardim, sem um pomar, sem lugar para uma horta.

Essa escolha de grande parte da população parece provir de uma ignorância sobre o futuro caótico em pleno curso ou de uma insensibilidade repugnante. Em lugar de multiplicar o número de árvores da cidade, vemos a destruição na esfera macro – os desmatamentos que antecedem a implantação de um condomínio, de um arruamento, de um loteamento – e o corte indiscriminado de árvores saudáveis, em virtude de inúmeros fatores.

Um deles, é o "trabalho" que a árvore dá. Ela solta folhas. Estas precisam ser varridas. Ninguém quer perder tempo varrendo folhas ou, o que seria racional, recolhendo-as, pois podem servir para compostagem.

Outro argumento é o de que as árvores têm raízes que quebram os passeios. Só que já existem manuais de arborização, que mostram quais as espécies adequadas para cada finalidade.

Já ouvi que "pobre não gosta de árvore", porque ela serve para os bandidos se esconderem! Que despautério! O crime precisa merecer outro corretivo que não a eliminação da cobertura arbórea de que toda cidade brasileira se ressente.

Não adianta depois reclamar das catástrofes que tendem a se repetir, pois o homem, que maltrata a natureza, não tem controle sobre "El Niño", sobre "La Niña" ou sobre o irregular regime de chuvas que ele mesmo perverteu. O que se pretende com essa ocupação insensata do solo? Não há quem tenha condições de enxergar que o ser humano está apressando o final de sua venturosa experiência sobre este sofrido planeta?

Precisamos de consciência ecológica. De sensibilidade para não deixar o caos para nossos filhos, netos e bisnetos. Ou optamos por um suicídio coletivo, diante de nossa cegueira, surdez e inércia ante os doloridos pedidos de socorro da Terra?

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário das Mudanças Climáticas do Município de S.Paulo (jose-nalini@uol.com.br)