21 de dezembro de 2024
OPINIÃO

Meu padrinho João Munarolo


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Além de padrinho de Crisma, João Munarolo era meu tio: irmão de minha mãe! Sorriso firme nos lábios e seu jeito de trabalhar me deixavam orgulhoso de ser seu parente. Parecido com meu avô José, João era mais alto, como a maioria da família. Imagino que minha mãe e meu tio Waldemar eram os únicos a seguirem meu avô na estatura. E se quase todos os domingos à tarde, meus pais fossem visitar meu avô José, na rua Marrocos, ali no Jardim Bonfiglioli, a volta dificilmente era feita por outro caminho a não ser passar pela casa de meu tio João. Claro que a maioria das vezes eu o encontrava na casa de meu avô.

Por sermos crianças, nossa presença acabava sendo envolvida por brincadeiras, enquanto os adultos conversavam na sala, tomavam café na cozinha e, quando a tarde começava a cair, cada um tomava o rumo de sua casa. E era bom não existir televisão – claro que já existia, mas era cara demais nas décadas de 1950 e início da seguinte – afinal, o bate-papo era fundamental. E não se conversava até acabar o assunto, conversava até acabar o tempo de ir para casa. Como telefone também era raridade, as conversas eram assim: olho no olho, cumprimentos, abraços, apertos de mão.

Mas o que me chamava a atenção em meu tio João era sua cordialidade, seu jeito de me colocar no assento extra de sua bicicleta e me levar para dar uma volta. Sabia que aquele banquinho estava ali para meu primo Celso passear, mas nada impedia meu tio de me levar dar uma volta. Mesmo que fosse apenas no quarteirão. Gostava de acompanhar minha mãe quando ela ia fazer a despesa do mês. Afinal, a compra era feita no Empório Bizzarro, localizado em frente à Igreja de Vila Arens. E era ali que meu tio João trabalhava: lápis atrás da orelha, bloco de nota fiscal no balcão e lá ia ele, lendo os produtos e minha mãe confirmando quantidades. De vez em quando ele ia até o outro lado do balcão, apanhava duas ou três balas e me entregava. Sabia que gostava de bala de mel e era esta que me trazia sorrindo.

João gostava de jogar damas. Era um verdadeiro "campeão". Conhecia todas as jogadas. E quando ia à minha casa, lá aparecia eu com o tabuleiro para "desafiá-lo". Claro que criança tem preferência. Estas coisas de "café com leite", que se dizia na época, e aí eu ganhava uma, duas, me entusiasmava. Mas na hora de ir embora, a vitória era dele. Mas sempre explicando os lances e onde estavam meus erros. Aprendi! Não virei campeão como ele, mas sempre que jogava – e faz tempo que os tabuleiros sumiram até das lojas de brinquedos infantis – me lembrava das dicas de meu tio-padrinho.

Casei, nos afastamos, mesmo aposentado ele continuava a trabalhar, mas certa vez, quando publiquei um texto falando sobre o "dia da despesa", ele se emocionou: recortou o jornal e levava consigo no bolso. E nas conversas com amigos não deixava de mostrar o escrito e completava: "este aí sou eu..."

Tio João partiu há alguns anos. Morava no alto da Vila Arens, exatamente por onde eu passava em minhas caminhadas matinais. Eram raras as vezes em que a gente se encontrava. Afinal ele sempre estava com pressa. Mesmo com 80 anos ainda trabalhava. "Aposentar pra que? Se Deus me deu saúde, vamos trabalhando", dizia ele, sorrindo e se despedindo. E quando a saúde foi vencida, ele partiu. Partiu certo de que a vida é bela e cheia de lindos e inesquecíveis momentos. Mesmo que um deles seja deixar o afilhado vencer no jogo de damas.

Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)