Estava começando como repórter no Jornal. Isso, no ano de 1970, acumulando a função de revisor e um medo terrível de ir às ruas entrevistar pessoas. Carlos Roberto Ramos era o editor-chefe do jornal e foi quem me convidou para trabalhar como revisor. Naquele ano, o Governo Federal, tendo à frente o general Emílio Garrastazu Médici, investiu no Movimento Brasileiro de Alfabetização – Mobral – visando acabar com o analfabetismo no país. Todos sabíamos que isso era impossível, mas como o governo queria agradar a todos, buscou este caminho. Muitos fizeram o curso e saíram do mesmo, sabendo apenas assinar o nome. Mas era uma conquista.
Em Jundiaí, o advogado e assessor jurídico da Câmara Municipal de Vereadores, Aguinaldo de Bastos, assumiu a função de presidir a Comissão do Mobral. E Bastos, uma bela noite, chegou à redação, pedindo a Ramos alguém para entrevistar professores voluntários que ele estava conseguindo para fazer crescer o número de alfabetizados. Foi então que Ramos me apresentou ao advogado e marcamos a primeira entrevista para o dia seguinte. Busquei revistas e jornais para me inteirar do Movimento e poder conversar sobre o assunto com o responsável da Comissão na cidade.
Estava conhecendo dr. Aguinaldo de Bastos e era preciso saber como interagir com ele. Na hora marcada, dr. Aguinaldo chegou à redação e me encontrou pronto. Foi nossa primeira conversa e saímos em seu carro para conhecer o movimento na cidade e saber quem eu deveria entrevistar. Fui conhecendo o trabalho do advogado e presidente da Comissão e ele foi me conhecendo. Tanto que, a partir da segunda entrevista começou a me chamar de "foca" – termo usado para pessoas que estavam iniciando na profissão – e foi assim que fui me familiarizando com dr. Bastos e seus comandados. Percorremos escolas, salões de igrejas, garagens de casas, a maioria na periferia, para falar sobre o trabalho. Ele me orientava durante o percurso do jornal ao local da entrevista e conversávamos sobre uma infinidade de assuntos. Foi ele um grande incentivador da minha profissão. Em nossas conversas, me orientava sobre melhorar nos estudos e seguir carreira de jornalista, já que a profissão estava sendo regularizada no Brasil.
O trabalho de Aguinaldo de Bastos foi reconhecido em todo o Brasil, tanto que no ano seguinte, Jundiaí recebia o presidente Médici para diplomar cinco mil alunos que estavam concluindo o curso do Mobral. O evento ocorreu no Ginásio de Esportes Dr. Nicolino de Lucca, o Bolão, e o presidente percorreu, de carro, diversas ruas da cidade, sendo ovacionado por todos. Claro que dr. Aguinaldo estava presente e recebeu elogios de Médici, claro também que não estive no Bolão, escalado para acompanhar o percurso do presidente por algumas vias da cidade e entrevistando a população. No dia seguinte, dr. Aguinaldo esteve na redação para agradecer o trabalho de todos e nos despedimos.
Casei, fui morar em Campinas e, na metade da década de 1990, praticamente 20 anos depois, minha mulher esteve em seu escritório, acompanhando uma tia, para tratar de um inventário. Ela falou de mim e ele lembrou: "O foca do Mobral?", perguntou sorrindo. Fiquei feliz ao saber que se lembrara de mim.
Aguinaldo era um poeta de mão cheia, com vários livros publicados, tanto que fui reencontrá-lo na Academia Jundiaiense de Letras.
Por conta de sua saúde debilitada, o poeta não apareceu nas reuniões durante o tempo em que esteve vivo. Deixou este mundo em 2017, mas sempre vou lembrar do homem que, toda vez que entrava na redação do jornal, depois de dar um boa noite a todos, olhava pra mim e dizia: "Vamos trabalhar, amigo foca!"
Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)