21 de dezembro de 2024
OPINIÃO

Cursinho para o inferno

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O ano passado foi o mais quente, considerados cento e vinte e cinco anos! É algo impressionante e somente uma estupidez coletiva explicaria a inércia da sociedade quanto a esse problema que, infelizmente, ainda vai se intensificar.

As temperaturas excepcionalmente altas foram registradas em diversos pontos do planeta, inclusive em São Paulo, a capital. O dia mais quente foi 9 de novembro, com 37,8 graus. Considerada essa média, houve lugares em que a temperatura chegou a 44 graus e com sensação térmica superior a 50 graus. Ou seja: porta de acesso ao reino de Lúcifer.

O drama é que as atividades humanas nunca tiveram de lidar com clima tão quente. É preciso reavaliar, com a urgência que nunca é levada a sério entre nós, a nossa maneira de analisar os riscos ambientais.

Todos sabem que o remédio é reduzir as emissões dos gases causadores do efeito estufa. Só que o acúmulo deles é tamanho, que a tendência é a continuidade do aumento de temperatura. A ponto de, daqui a algumas décadas, arriscarmo-nos a 2023 ter sido considerado um ano ameno.

O planeta entrou em ebulição climática, em virtude da ação praticamente dolosa e pela omissão nefasta de governos e populações.

Marcelo Leite, num instigante artigo - "Viciada em combustíveis fósseis, humanidade se acomoda a calor recorde", FSP 10.1.2024 - diz que o ideal seria "ter saltado fora há muito tempo, do caldeirão aquecido pela queima de combustíveis fósseis. Mas pouco se fez desde 1992, quando se adotou na Rio 92 a Convenção da ONU sobre Mudança Climática. A humanidade segue lançando CO2 na atmosfera, como se não houvesse amanhã".

O pior é que a ciência se exauriu em avisos, alertas e recomendações. Todos sabem que o mundo precisa se livrar do carvão, da gasolina, do diesel e do gás liquefeito de petróleo. Sabemos também que faltam à Terra mais de um trilhão de árvores. Mais de um bilhão no Brasil. Mas continuamos a derrubá-las. Seja no plano macro, com a devastação de glebas em todos os biomas, sem qualquer reposição, seja no plano micro. Porque há medo de quedas das próprias árvores ou de seus galhos. Porque elas deixam cair folhas, o que dá trabalho para quem vai varrer o passeio. Ou porque elas têm raízes que danificam o calçamento. Há quem sustente que "árvore é aquilo que nasceu para cair sobre o fio elétrico e paralisar a energia".

Resposta simplista, reducionista e burra. O mundo civilizado já não tem fios à vista. Eles estão enterrados. Só em países subdesenvolvidos é que existem postes, essa fiação disforme e feia, que além disso favorece os furtos de cobre e propicia a utilização clandestina de energia elétrica paga por alguns, não por todos os seus usuários.

A responsabilidade é de todos. Cada indivíduo provido de sensibilidade precisa fazer sua parte: repor as árvores arrancadas. Recolher sementes e fazer mudas. Recuperar áreas degradadas. Exigir do governo uma postura responsável. Como diz Marcelo Leite, "nações não são empresas, assim como governos não são suas diretorias. Líderes que se pretendem estadistas deveriam enxergar além do horizonte de 4 ou 8 anos dos ciclos eleitorais, resistindo à pressão de investidores, burocratas, corporativistas e chantagistas".

Isso vale para todos os níveis. A cidadania tem de despertar da inércia. Lembrar que o Estado, como instituição, é instrumento a serviço do povo. Não é seu patrão, nem seu dono. Quanta falta faz uma educação de qualidade para o Brasil ser infinitamente melhor do que é!

José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário Municipal da Mudança Climática de São Paulo (jose-nalini@uol.com.br)