25 de dezembro de 2024
OPINIÃO

Desejo, virtude e virtuosismo

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Quem leu meu artigo anterior já me ouviu falar em polimatia por aqui. Não vou voltar ao tema explicando novamente seu conceito, pois basta consultar a respeito em qualquer bom pesquisador virtual ou demais fontes idôneas. Mas quero desta vez, antes de adentrar ao que escolhi problematizar nessa edição, citar muito carinhosa e admiravelmente a amada Anna Flávia Ribeiro, com quem muito tenho aprendido e me lapidado desde que a conheci. Filósofa, professora, fundadora do movimento tribo polímata, composto por pessoas de mente curiosa e inquieta e alguém que vale demais a pena saber quem é! Tudo o que ela se propõe a falar traz inquietação e encantamento em forma de fortes e matadoras reflexões. Uma das que mais "me pegou" nos últimos dias trata da ideia da organização disciplinada do desejo versus a insaciedade do ser. E, salvo equívoco de interpretação de minha parte, podemos pensar nisto, não apenas como prática de vida, como tê-la como virtude. Aliás, sobre virtude, também com Anna tenho aprendido a ressignificar - atualmente confesso, conservo um certo ranço dessa expressão - aquilo que tanto tenta-se fazer colar sobre o que seja "inteligência emocional", as "soft skills" e que tais. É tudo sobre virtude, está bem, queridos leitores? Estão aí as correntes filosóficas que completamente confirmam a teoria. Em tempos de sociedade do cansaço, como nos diz Byung-Chul Han em sua obra de mesmo nome, praticar a organização disciplinada do desejo pode nos poupar ou, pelo menos reduzir os fatais danos da violência neuronal, atualmente muito experenciada em sua forma de inúmeras doenças psíquicas e concomitantes agravos físicos. Na sociedade do cansaço e não apenas nela, virtude é confundida com virtuosismo. E essas duas coisas chegam a ser antagônicas em suas próprias concepções etimológicas. Virtude é interna, virtuosismo é performance, encenação, portanto, podemos afirmar que nos remete ao externo. Se virtude trata de justiça, persistência, otimismo, humildade, bondade, compaixão, empatia, perdão, honestidade, disciplina e coragem, o virtuosismo, quando usado a serviço da, justamente insaciedade do ser, ou, como também lindamente nos ensina e demonstra Santo Agostinho, vaidade e orgulho em perspectiva distorcida, temos aí o combo quase completo da decadência humana e sua indissolúvel inclinação imoral. Manter uma organização disciplinada do desejo faz com que retomemos o caminho de volta a um necessário e inadiável controle de impulsos. Impulsos? Sim, um deles, o de consumir, consumir, consumir. Nesse sentido falo inclusive de consumir gente, tempo, recursos, emoções. Todos forjados e quiçá comprados com objetivo de anestesiar pelo externo, aquilo que está interno e encoberto. Vale para o bem e para o mal, pois ambos nos coabitam em igualdade de proporções até prova em contrário. Também em tempos de distorcer o entendimento do que seja o fenômeno do apocalipse como marcador de um destino ou sentença finais, estaremos derrotados? Sei lá. Contudo, quem sabe amiga de Anna Flávia Ribeiro um dia eu possa ter a honra de me tornar também e tomar um vinho com ela para problematizarmos a respeito juntas. Juro que volto aqui para te contar.

Márcia Pires é sexóloga e gestora de RH (piresmarcia@msn.com)