21 de dezembro de 2024
OPINIÃO

Cidade inteligente. De verdade

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As cidades inteligentes são aquelas que se adaptam aos tempos de deterioração do ambiente e procuram mitigar as consequências da insanidade geral. O calor intenso, verdadeiramente escaldante, os ciclones extratropicais, as ventanias e tempestades se intensificam e se multiplicam.

No Brasil, em novembro último, 2.707 municípios ficaram de sobreaviso, em alerta máximo, por causa da temperatura infernal. O perigo se traduziu em acréscimo no atendimento de crianças e idosos. Foi a oitava onda de calor no ano, que é considerado o mais quente em cento e vinte e cinco mil anos.

Cada cidade tem condições de fazer o essencial. A receita é conhecida e de fácil execução: plantar, plantar, plantar. Preencher todos os espaços vazios com árvores nativas. Incentivar a coleta de sementes e a criação de viveiros. Não deixar qualquer espaço do qual tenha sido extraída uma árvore, sem reposição. Procurar devolver à natureza, em décuplo - melhor ainda, em cêntuplo - aquilo que dela se eliminou, quase sempre impunemente.

Há exemplos por todo o mundo, a mostrar que o município tem sua vocação própria e, por ser onde as pessoas moram, (não na União, nem no Estado), merece toda a atenção do Poder Público.

Barcelona, por exemplo, tem dezoito linhas de ação nos mais diversos temas. Uma delas cuida apenas das ondas de calor. Ali se expandem os "jardins de água", que são espaços com fontes, lagos ou piscinas. Não é impossível retornar ao tempo em que nossa cidade contou com chafarizes. Lembram-se daquele na Praça Dr. Domingos Anastasio?

Em Hong-Kong usa-se da estrutura azul verde, que é a expansão de áreas vegetadas e de água. Incentiva-se a edificação de telhados verdes e de jardins, com pavimentação porosa, tanques de retenção no subsolo, biovaletas, que são canteiros com vegetação sobre um pavimento poroso e lagos artificiais.

Niterói, no Rio de Janeiro, há jardins filtrantes, grandes espaços vegetados que têm a função de filtrar as águas que descem da serra e deságuam na lagoa. Nossa vizinha Campinas, filha que superou a mãe, pois já foi nossa, adota soluções baseadas na natureza em planos de ação climática. Já foram definidas as áreas prioritárias, aquelas em que ocorrem inundações, deslizamentos e onde as ondas de calor vão causar maior impacto. Campinas está fazendo parques lineares, maiores em largura do que em comprimento, e que funcionam como corredores verdes. Em geral, acompanhando o leito de rios, córregos e cursos d´água que têm de ser redescobertos, pois também cederam espaço ao concreto e ao asfalto.

Berlim estimula a adoção dos telhados verdes e dissemina o conceito de "cidade-esponja", espaço desenhado para absorver melhor a água da chuva, mediante ampliação das áreas verdes.

Cidades de todos os tamanhos têm condições de promover mudanças com vistas às consequências da profunda mutação climática. Pode-se, por exemplo, promover concursos em todas as escolas, em qualquer nível de ensino, para que crianças e jovens se interessem pelo tema e façam sugestões. Isso tem a vantagem de cumprir a promessa de propiciar educação ambiental para todos.

Energias renováveis, eficiência energética, utilização de painéis fotovoltaicos, redescoberta de veios d'água, recomposição de matas ciliares, formação de pequenos bosques em qualquer espaço disponível, ampliar a cobertura vegetal da Serra do Japi, em lugar de vende-la como atração que, se vencer a especulação imobiliária, logo deixará de ser.

As iniciativas podem e devem partir da sociedade. Esta é que precisa cuidar de seu habitat. E compelir o Poder Público a fazer sua parte. Para isso é que ele existe e para atender à soberania popular é que o governo se preordena.

José Renato Nalini é reitor de universidade, docente da Pós-graduação e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras (jose-nalini@uol.com.br)