21 de novembro de 2024
OPINIÃO

Um brinde a Sócrates

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Era uma tática simples, porém genial. Enquanto o sujeito vinha com uma certeza, Sócrates confrontava essa certeza fazendo perguntas sobre ela. E a cada pergunta feita, o sujeito percebia que, no fim das contas, não sabia de nada do que estava falando. Essa era a técnica da maiêutica e Sócrates fazia isso para convencer as pessoas de suas próprias ignorâncias.

Filho de uma parteira, o filósofo via no seu trabalho algo muito similar ao da mãe: ajudar pessoas a darem à luz. No caso dele, darem a luz à verdade. Para ele, todos nós deveríamos ter condições para encontrar a verdade, mas ela só poderia ser acessada se antes jogássemos todas as nossas certezas fora. Era como limpar um terreno cheio de ervas daninhas e entulho para poder preparar a terra para uma nova plantação. Assumindo que você não sabia nada, você seria capaz de começar a aprender e, assim, parir a verdade.

E Sócrates aplicou seu método, claro, nele mesmo. Por isso foi genial, pois ele tinha consciência de que não sabia de nada, logo estava preparado para buscar o verdadeiro conhecimento. Certa vez, Sócrates foi abordado por alguém que o chamava de amigo. Com muita calma, o filósofo devolve mais ou menos assim: "Desculpe, mas não posso ser seu amigo, já que eu não sei o que é a amizade, porém você, que diz que somos amigos, deve saber, portanto, a natureza da amizade. O que é, então?".

Em sua busca por respostas, ele só mostrava para as pessoas o quanto elas mesmas também não sabiam. Com isso, Sócrates desmascarou muita gente que se dizia sábia.

Dentre os desmascarados, estavam Anito, Meleto e Licon, representantes das classes dos políticos, poetas e oradores da cidade respectivamente. Enfurecidos com o filósofo, os três usaram sua influência em Atenas e o levaram ao tribunal, acusando-o de dois crimes: corromper os jovens com suas ideias subversivas e por não adorar os deuses.

O julgamento de Sócrates, aliás, foi descrito por seu pupilo mais notável, Platão, em um diálogo chamado: "A Apologia de Sócrates". É nesse diálogo que Platão mostra como seu mestre, utilizando da sua infalível técnica de perguntar e perguntar, que, diante todo o júri, ridicularizou os que o condenava.

A condenação veio e Sócrates teve que escolher entre deixar de dar aulas (e, portanto, parar de questionar as pessoas, pois Sócrates não ensinava em uma escola ou algo do gênero, seus ensinamentos eram na rua, na prática) ou tomar uma taça cheia de um veneno chamado cicuta. Ele escolheu a morte.

Escolheu a morte porque, como seria refletido depois por Platão, ele entendia que viver desencaixado com aquilo que acreditava seria uma vida infeliz e sem sentido. Platão sugere que filosofar é aprender a morrer graças ao sacrifício de seu mestre que, ao escolher deixar a vida, imortalizou a arte de questionar até as últimas consequências.

Os atos de perguntar, questionar e duvidar são muito eficazes para desmascarar discursos cheios de certezas. Esses discursos certos e cheios de si impossibilitam as pessoas de buscarem conhecimento e as estacionam, já que elas acham que já sabem. Só a dúvida é combustível para uma caminhada rumo à verdade, ensina Sócrates.

É assim que tento levar a vida. Principalmente como professor. Claro que vacilo e reproduzo certezas que, se eu me esforçar um pouquinho e me questionar, vou perceber que nada sei sobre o assunto declamado. Mas meu trabalho como educador é imputar essa ideia na cabeça dos meus alunos: "Perguntem e não tenham medo de questionar seja lá quem for, mas, antes de tudo, se questionem e descubram que vocês não sabem de nada, pois só assim poderão caminhar rumo à verdade", é um dos meus discursos logo na primeira aula de filosofia que sempre termina com um: "Joguem suas certezas no lixo, elas não servem aqui!".

Continuarei perguntando, continuarei desconstruindo certezas - sobretudo as minhas -, continuarei buscando conhecimento e incentivando outros a fazerem o mesmo. Tento seguir o caminho de Sócrates para ter a consciência de que não sabemos das coisas. Minhas perguntas só irão ofender aqueles que acham que sabem algo. Para aqueles que entenderem que nada sabem, minhas perguntas só serão bem-vindas. Um brinde a Sócrates.

Conhecimento é Conquista.

Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)