27 de dezembro de 2024
OPINIÃO

Andorinha, andorinha

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Coletânea dos artigos de jornal escritos por Manuel Bandeira, "Andorinha, andorinha" é um caixote de preciosidades. O livro, lançado pela Editora José Olympio por ocasião dos 80 anos do poeta, celebrados em 1966, foi organizado por Carlos Drummond de Andrade. Reúne 40 anos de colaboração de Bandeira na imprensa, com textos publicados entre as décadas de 1920 e 1960, período em que os jornais impressos ampliaram e consolidaram sua influência na cena cultural brasileira. O título remete ao poema "Andorinha", do livro "Estrela da vida inteira", antologia lançada por Bandeira: "Andorinha lá fora está dizendo: -- Passei o dia à toa, à toa!"/Andorinha, andorinha, minha cantiga é mais triste!/ Passei a vida à toa, à toa...".

Variados nos assuntos e personagens, os artigos e crônicas do poeta pernambucano demonstram tanto a erudição quanto a capacidade de seu autor de se fazer entender. Ele escreve para um público amplo, de leitores de jornal, e não está interessado em redigir de maneira afetada, "difícil" (por sinal, tem uma treta divertida, em que o poeta cobra de famoso crítico de artes plásticas um texto jornalístico mais acessível, ao que o sujeito responde com pedradas). Os temas abarcam música, artes plásticas, teatro, cinema, literatura... Parecem incontáveis os interesses do poeta. Assim como sua capacidade de atender às diversas solicitações: escrever prefácios, resenhar livros, comparecer a sessões de autógrafos, conferir mostras e exposições, assistir a peças e filmes. No tópico cinema, por exemplo, ele trata do diretor Federico Fellini, assim como das atrizes Marlene Dietrich e Greta Garbo. Percebe-se a preferência do poeta pelo elogio, o comentário positivo, a apreciação afirmativa de obras e autores. O que não significa que feche os olhos para defeitos e asneiras. Sobram algumas caneladas – de leve, mas caneladas – em escritores, políticos, detratores. Observações com a pimentazinha da ironia e do humor.

Bandeira fala da Academia Brasileira de Letras, na qual ingressou em 1940. Fala também de seus colegas a quem toma por mestres, como Gonçalves Dias e Olavo Bilac, de contemporâneos que admira (Olegário Mariano, Murilo Mendes, Dante Milano, Vinícius de Moraes e Drummond de Andrade estão nesse time).

No extenso capítulo "Arte para os olhos", há comentários para Cândido Portinari, Djanira, Alberto Guignardi, Oswaldo Goeldi (deste, Bandeira relembra o primeiro contato com os desenhos do jovem ilustrador, na mesa de um café, no Rio de Janeiro, até o elogio fúnebre ao grande artista, morto em 1961). A importância das opiniões de Manuel Bandeira só cresceu com o passar dos anos. Ele ocupou espaço central numa imprensa relevante. Seus julgamentos foram decisivos para o reconhecimento de artistas, de áreas diversas. "Andorinha, andorinha" mostra grande parte desse minucioso trabalho analítico. A julgar pela variedade de tópicos, nota-se que o poeta desautoriza seus próprios versos. Afinal, um sujeito com tamanha capacidade de análise, apurado senso crítico e variedade de interesses, ficou longe de ter passado a vida "à toa, à toa". 

Fernando Bandini é professor de literatura (fpbandini@terra.com.br)